Um número crescente de japoneses está oficialmente cortando relações com seus sogros após a morte do seu cônjuge. É chamado de “divórcio após a morte”.
Esses casos tem aumentado na última década. Foram notificados 2.783 casos no último ano fiscal, a maioria deles apresentada por mulheres. Não é necessário o consentimento dos membros da família e o cônjuge do falecido é o único que pode fazer a solicitação.
A lei japonesa japonesa antigamente determinava que as mulheres passassem a pertencer à família do marido após os laços matrimoniais devido à estrutura familiar que era mantida naquela época. Este sistema foi abolido após a Segunda Guerra Mundial.
Hoje, uma mulher basicamente não tem obrigação legal de sustentar a família do marido depois da sua morte. No entanto, ela ainda está legalmente ligada à família dele. Mas existe uma maneira de cortar definitivamente os laços familiares com seus sogros. Tal requerimento é chamado de Shigo Rikon (死後離婚), que literalmente significa “Divórcio após a morte”.
Essa situação reflete as mudanças das visões tradicionais da família e a relutância das viúvas em suportar o ônus de cuidar dos pais envelhecidos do falecido marido.
A visão típica de uma família japonesa baseia-se nas antigas aldeias agrícolas. Até a segunda metade do século XX as famílias de agricultores representavam uma grande parcela da população japonesa. A palavra “ie” (家) significa casa e também designava a família compostas pelo casal e a família do marido que habitavam as residências rurais.
A terra e outros bens eram passados de pai para o filho mais velho, em vez de serem divididos entre todos os filhos igualmente. O filho mais velho também passava a ser o chefe da família e tinha a obrigação de cuidar e proteger os outros membros da família.
Nessa época, as mulheres quando se casavam, passavam a pertencer à família do marido. Além de adotar o seu sobrenome, suas cinzas eram depositadas no túmulo da família do marido após a sua morte. Além de ajudar nos negócios da família e ser responsável pelas tarefas domésticas, as mulheres assumiam os cuidados com os filhos e sogros.
Apesar dessas obrigações legais terem sido abolidas após a Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres mantiveram esse costume apesar da desagregação familiar que passou a ocorrer com o processo de industrialização e o rápido crescimento econômico do país.
As décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial foram acompanhadas por um fluxo de jovens que saíram das áreas rurais em busca de oportunidades de estudo e emprego nas cidades. A estrutura familiar que abrangia outros membros da família modificou-se para uma estrutura familiar nuclear constituída apenas pelo casal e seus filhos.
No entanto as pessoas acima dos 70 anos ainda continuam com o pensamento voltado às raízes da família tradicional predominante até a segunda metade do século XX. Por outro lado a maioria dos filhos da geração pós guerra não herdou o mesmo pensamento de seus pais sobre essas obrigações familiares que originalmente recaíam sobre os viúvos (as).
Além disso, um grande número de mulheres passaram a trabalhar fora com o intuito de ajudar no sustento de suas casas tornando difícil pra elas, tanto emocionalmente como economicamente, desempenharem o papel tradicional de nora para os pais dos seus maridos.
Como romper os laços familiares com os sogros?
Os requisitos são simples. Se uma viúva quiser quebrar os laços legais remanescentes com seus sogros, tudo o que ela precisa fazer é preencher um formulário oficial com apenas alguns detalhes, como seu nome e endereço e o nome de seu marido falecido.
Em seguida, basta levar esse formulário devidamente preenchido até a prefeitura local, juntamente com a identificação pessoal e uma cópia do koseki (registro familiar) onde está documentado a morte do marido. Isso pode ser feito a qualquer momento após a morte do cônjuge e não é preciso o consentimento dos sogros para esta rescisão.
Embora o processo seja simples, o número de casos só começou a aumentar significativamente nos últimos tempos. O termo “divórcio póstumo” (shigo rikon) entrou em uso apenas recentemente, e a existência do formulário de rescisão era pouco conhecida, mesmo entre os funcionários dos escritórios municipais responsáveis pelo procedimento.
De acordo com as estatísticas compiladas pelo Ministério da Justiça, em 2013 foram recebidos 2.167 formulários. Já em 2014, 2.202. No ano seguinte, 2015, foram 2.783 e em 2016, o número de requerimentos foi 4.032, um aumento de quase 50% em relação à 2013.
Outras razões para o divórcio póstumo
Além do fator financeiro e a sobrecarga de funções que as mulheres enfrentam hoje em dia, existem outro motivo que levam ao rompimento dos laços com a família do marido: problemas de convivência. Vejamos alguns exemplos de casos reais:
Após viver com sua sogra por cerca de 30 anos, uma viúva de cerca 50 anos de idade, continuava a fazer pagamentos da hipoteca domiciliar após a morte do marido. Enquanto isso, a sogra não pagava um único iene de sua pensão para ajudar a cobrir as despesas domésticas. Esta viúva acabou optando pelo Shigo Rikon (divórcio após a morte).
Outra mulher se casou com um homem que posteriormente herdou o negócio de sua família. O casal viveu com seus pais, e quando ele morreu, ela assumiu o negócio da família enquanto continuava a manter a casa e criar dois filhos. Mas o relacionamento com sua sogra não era boa e as brigas eram constantes. Após dois anos de agonia, decidiu-se pelo Shigo Rikon.
Um terceiro caso é o de uma mulher de cinquenta anos que continuou a ocupar um cargo por mais de 20 anos depois de se casar, mas que teve que abandonar seu trabalho para cuidar dos pais envelhecidos do marido. Ela diz que se sentiu cada vez mais frustrada em desempenhar o papel que eles esperavam dela como nora – um papel fora da realidade de hoje.
Enquanto o marido estava vivo, ela conseguiu tolerar a situação para manter a família unida, mas agora que ele morreu, ela não aceitava o fato de abandonar o emprego para cuidar dos sogros. Acabou optando por romper legalmente os vínculos familiares com eles.
Consequências do divórcio póstumo
Segundo o Código Civil Japonês, as pessoas têm a obrigação legal de apoiar parentes até o terceiro grau de parentesco que estão em situação de risco ou vulnerabilidade, incluindo parentes por casamento como pais, avós, irmãos e filhos de irmãos dos cônjuges.
Mas para os viúvos(as) que solicitam o “shigo rikon”, não é mais necessário prestar assistência de nenhum tipo aos familiares do cônjuge falecido. Por outro lado, o fato da relação com os sogros ser rompida, isso não impede que o viúvo(a) continue usufruindo da pensão de sobrevivência e herança recebidas antes do divórcio após a morte.
Os sogros podem recorrer à justiça e em algumas “circunstâncias especiais”, o tribunal de família pode decidir à favor dos sogros. Caso isso aconteça, a pessoa será obrigada a prestar apoio financeiro aos sogros, permitindo que possam manter um padrão de vida de subsistência. Desde, claro que sua renda e recursos sejam suficientes para isso.
Outra mudança se refere às sepulturas. Tradicionalmente os restos cremados de uma mulher casada e seu marido seriam enterrados juntos na sepultura ancestral da família do marido. A partir do momento do rompimento legal, as viúvas deixam de entrar no túmulo do marido (após sua morte) e estão isentas dos deveres relacionados à gestão do túmulo.
Além disso, de acordo com uma pesquisa realizada pelo “Dai-ichi Life Research Institute” em 2014, cuja pergunta era: “Maridos e esposas devem compartilhar a mesma sepultura?”. 64,7% dos homens disseram que queriam ser enterrados com suas esposas e apenas 43,7% das mulheres manifestaram o desejo de serem enterradas com seus maridos.
As mudanças nas atitudes das mulheres, juntamente com o aumento do número de mulheres economicamente e mentalmente independentes, levaram ao aumento da demanda por outras opções de sepultamento que não exigem atenção contínua das gerações futuras, como “enterros na floresta” ou serviços de “memorial eterno” oferecidos por alguns templos.
À medida que a taxa de natalidade diminui e a sociedade envelhece, espera-se que a geração mais nova tenha um fardo cada vez maior. Este problema não é apenas sobre o relacionamento entre cônjuges e suas famílias. As mudanças na sociedade estão nos forçando a reconsiderar a relação entre pais e filhos e talvez até o que significa ser uma “família” de verdade.