Não despreze a marmita. Se há um princípio orgânico da alimentação fora do lar para a classe trabalhadora é o da quentinha. Da boia-fria embrulhada em pano para preservar a quentura porquanto puder às caixas de isopor dos ambulantes na rua, o marmitex está na gênese da nossa sociedade desde os tempos da vida rural. E, longe de ser exclusividade nossa, o prato feito embalado pra viagem apenas se reconfigurou ao longo dos séculos ao sabor da tecnologia e dos arranjos sociais. A marmita hoje vem de moto, por meio de aplicativo.
Megalópoles como Tóquio, Nova York e São Paulo há tempos reúnem centenas dos mais populares empreendimentos orientais no ramo da alimentação: as lojas de souzai-ya. Trata-se de delicatessens japonesas que ofertam quitutes e produtos de toda sorte, mas sempre dedicadas a servir marmitas. Brasília, em seu cosmopolitismo subdesenvolvido, ganhou a primeira casa do gênero há pouco mais de seis meses. A Umami Deli, situada na rua do mercadinho japonês Mikami, apresenta o conceito ao público brasiliense, com uma variedade enorme de bentôs (pratos feitos) e bowls de macarrão.
O lámen, prato mais popular da gastronomia japonesa, tem espaço limitado ainda por aqui. É servido apenas duas vezes ao mês. Em outubro será nos dias 10 e 24. A ênfase, portanto, é no PF mesmo, normalmente montado com uma carne (ou tofu na versão vegetariana), gohan, salada e uma porção de verduras (kimpira ou curry).
À frente da loja está o imigrante japonês Takashi Suguiura, que antes trabalhava com importação de Guaraná Antártica para seu país. Ele divide as tarefas na cozinha com a esposa, mas recepciona a clientela em português bem esforçado. Mas costuma descer à cozinha sempre que alguém pede o tan tan pasta.
Este prato só Takashi faz – e não consegui uma explicação muito eloquente sobre isso. Por R$ 30, o bowl reúne carne suína moída, bok-choy e um molho picante de gergelim, mas que é um tanto gorduroso. A decepção: Takashi usa espaguete italiano. Com o Mikami ali do lado? Que coisa. Há opções com o macarrão soba, de trigo-sarraceno, também. Caso do Nikussoba (R$ 35), servido frio com alga e um refogado de carne bovina com cebola e gengibre.
Considero, contudo, mais interessantes as combinações dos bentôs. Tonkatsu muito bem empanado, tenro; um karagee (semelhante ao nosso frango à passarinho, só que desossado) de fritura irregular, mas um ótimo curry japonês aigake (R$ 30 o grande).
Não deve ser de se espantar que o Japão tenha em sua cozinha afetiva grande influência do sudeste asiático. Além de assimilar o curry na culinária doméstica, as combinações de temperos indianos conhecida como massala predomina em muitos preparos. Aqui, há uma curiosa batata frita temperada com o mix de condimentos (R$ 18 a porção grande).
Na Umami Deli, há ainda uma série de acepipes tipicamente japoneses, mais destacados do que os pratos. Estamos diante de um trabalho bem feito, de aspecto caseiro. Ainda falta profissionalismo. E com isso não quero dizer que dependa da consultoria de um gastrólogo ou um chefão porreta. Falta aqui o profissionalismo logístico mesmo: mais consistência no serviço, menos irregularidades de cozimento…
Está aí, contudo, um ótimo lugar de refeições ráfidas, PF de boa qualidade, e sobretudo com saborosas opções de entrada. Admito certa adicção pelo nikuman (R$ 8 a unidade). O pãozinho cozido (o mesmo bao chinês) vem com recheio de porco perfumado por gengibre, devendo uma picância mais elevada, embora muito bem feito.
A gyoza de Takashi também merece atenção (R$ 18 a porção com seis peças). Suficientemente elástica, finalizada na chapa com os babados da massa tostados, os pasteizinhos de porco vêm acompanhado de um molho à base de shoyu, gengibre e cebolinha.
Reluto em pedir sobremesa por aqui. Colonizado pela confeitaria europeia, o paladar ocidental não costuma sentir muita graça dos doces de feijão azuki. Aqui, ele é servido de forma curiosa: dentro de uma panqueca (um crepe, vá lá) em forma de peixe. Massudo e enjoativo, mas uma experiência que deve agradar a molecada. Em minha última visita provei o “cupcake” de batata-doce. Denso, mas com açúcar equilibrado. Prefiro os biscoitinhos amanteigados de matchá vendidos próximo ao caixa.
Ao final, a Umami Deli presta um serviço que há década encontramos a cada ruela da Liberdade (SP) ou de Manhattan. Parece que Brasília está amadurecendo aos poucos seu comércio de rua — para o bem e para o mal. Neste caso, recebo de muito bom grado uma lojinha de marmita japonesa.
Curioso como nos nobres espaços de discussão da gastronomia não se fala sobre o bom e velho marmitex, o relegando a uma condição inferior. Talvez seja seu aspecto um tanto quanto desgourmetizado, sem a assinatura de um chef, sem tomilho ornando. Bem, eis minha colaboração para o debate.