Como sabemos, no Japão há muitas lendas sobre fantasmas, conhecidos como Kaidan (怪談), que literalmente significa “Histórias de Fantasmas”. A maioria dos japoneses acreditam de verdade que por alguma razão, algumas pessoas depois que morrem permanecem na Terra na forma de Yurei (almas penadas).
Estão tão presentes na cultura japonesa, que frequentemente podemos vê-los em livros, mangás, animes, filmes e peças teatrais. Além disso, ganhou um dia próprio, o Yurei no hi, comemorado no dia 26 de julho de cada ano.
A data foi escolhida devido a primeira apresentação da peça “Tokkaidou Yotsuya Kaidan”, uma das histórias de fantasmas mais famosas do Japão, exibido pela primeira vez no dia 26 de Julho de 1825 no pequeno Teatro Nakamura-za em Edo (Antigo nome de Tóquio, capital japonesa).
“Tokkaidou Yotsuya Kaidan” é considerada uma obra-prima do dramaturgo Tsuruya Nanboku, um dos mais famosos contadores de historias sobre fantasmas do Japão. A obra foi inspirada em uma história verdadeira sobre Oiwa, uma esposa traída por seu marido que busca vingança após sua morte.
Oiwa, um Onryo (espírito vingativo)
Oiwa era uma jovem muito bonita que vivia em um vilarejo chamado Yotsuya (hoje um bairro de Tóquio) no Japão. Ela era apaixonada por um guerreiro chamado Iemon, um rapaz de família humilde, mas que mesmo assim, chamava a atenção da bela Oiwa. Iemon também se mostrava interessado por Oiwa, mas os pais dela eram contra o relacionamento, eles acreditavam que o rapaz não tinha uma boa índole e não seria boa companhia para sua filha.
Certo dia, cansado com a desaprovação e desconfiança, Iemon pegou sua espada e assassinou covardemente o pai de Oiwa. A bela jovem ficou arrasada. Iemon fingindo uma bondade que não tinha, disse que se vingaria dos assassinos do pai de Oiwa. A inocente Oiwa acreditou em Iemon, sem ao menos desconfiar que ele fosse o verdadeiro assassino de seu pai.
Passado pouco tempo Oiwa e Iemon se casaram, logo, o casal teve um filho. Mas Oiwa adoeceu. Depois disso, a desconfiança que os pais dela tinham por Iemon se confirmou. O rapaz passava a maior parte do dia fora de casa, e nunca se preocupou em ajudar Oiwa a tratar a doença e muito menos cuidar do filho recém-nascido. Não demorou muito e ele começou um relacionamento com uma jovem rica do vilarejo, uma bela jovem chamada Oume.
Iemon e Oume se relacionaram por vários meses, e nesse tempo, Iemon virou um tormento na vida de Oiwa. O rapaz a maltratava e às vezes usava de violência. Interesseiro, Iemon só tinha olhos para a fortuna da família de Oume, e para que pudesse conseguir seu objetivo de riqueza, decidiu se livrar de Oiwa. Durante um jantar, Iemon deu um alimento envenenado para Oiwa. Não demorou muito e Oiwa começou a se sentir mal, mas não morreu.
A bela Oiwa começou a perder seus cabelos rapidamente e seu rosto foi se deformando até ficar extremamente desfigurado. Vendo que seu plano de envenenar Oiwa não deu certo, Iemon pensou em outra coisa para se ver livre da esposa. Ele contratou um jovem para seduzir Oiwa, assim ele poderia acusar a esposa de infidelidade e acabar com o casamento. Mas o jovem vendo a aparência e a situação de Oiwa, decidiu revelar todo o plano de Iemon.
Oiwa ficou arrasada e cometeu suicídio cortando sua garganta. Iemon com medo de que o jovem revelasse seu plano para os demais moradores do vilarejo, o assassinou e jogou seu corpo junto com o de Oiwa em um rio acusando-os de serem amantes. Livre de Oiwa, Iemon se casou com Oume. Mas na noite de núpcias o espirito de Oiwa voltou para se vingar.
Iemon começou a ter visões dela por toda a parte. Apavorado com o que estava vendo, Iemon pegou a sua espada e saiu desferindo golpes para todos os lados com o intuito de acertar o fantasma de Oiwa.
Oume, que não podia ver a assombração, ficou espantada vendo o marido golpear desesperadamente o ar. Em um determinado momento Iemon olhou para Oume, mas viu em seu rosto a figura de Oiwa, e com um golpe certeiro arrancou-lhe a cabeça.
A cada pessoa que se aproximava de Iemon ele via em seus rostos a face aterradora de Oiwa, isso fez com que ele também assassinasse o pai e a mãe de Oume. Não se sabe ao certo o que aconteceu com Iemon. Dizem que ele se suicidou, mas também se conta que ele foi morto pelo espirito de Oiwa.
O povo do vilarejo tentou levar paz ao espirito de Oiwa enterrando o corpo no terreno próximo à sua casa. Mas isso aparentemente não funcionou. Dizem que o espirito perturbado e rancoroso de Oiwa ainda lança maldições sobre as pessoas. Dizem também que algumas pessoas que se aproximaram de seu tumulo, tiveram seus rostos deformados misteriosamente.
Túmulo de Oiwa
A data da morte de Oiwa está registrada como 22 de fevereiro de 1636. Hoje, o túmulo de Oiwa encontra-se aos pés de uma árvore no templo Myoko-ji, próximo a estação Nishi Sugamo. O templo ficava originalmente em Yotsuya, mas em 1909 mudou-se para o atual bairro. O local atrai muitos visitantes e curiosos que querem conhecer o tão falado túmulo de Oiwa.
A história de Oiwa (Yotsuya Kaidan) é uma das histórias de fantasmas mais famosas do Japão e até hoje influencia os filmes de terror japoneses. Foi adaptada para o cinema mais de 30 vezes e uma das mais famosas adaptações é o filme “O Fantasma de Yotsuya” de 1959, dirigido por Nobuo Nakagawa.
Por causa de acidentes e mortes que misteriosamente aconteceram durante a produção de algumas adaptações de Yotsuya Kaidan, tornou-se uma tradição os atores principais e diretores fazerem uma peregrinação até o túmulo de Oiwa para pedir-lhe permissão e benção para as filmagens.
Yotsuya Kaidan também está presente no Ayakashi: Japanese Classic Horror, uma série de anime com três histórias clássicas de terror japonês, incluindo também “Tenshu Monogatari”, uma história de amor proibido entre uma deusa e um humano e “Bakeneko”, a história de um gato monstro misterioso que tem poderes sobrenaturais. Assista aqui.
Fonte: Japão em Foco