Apesar de acontecer em qualquer lugar do mundo, no Japão, esse tipo de situação é bem recorrente e tem até um nome especifico: Karoshi (過労死), que significa literalmente “morte por excesso de trabalho”. O termo acabou sendo usado internacionalmente após ser incluído no Dicionário de Inglês Oxford em 2002.
A principal causa por trás da morte por Karoshi é o estresse que acaba levando a pessoa a ter uma morte súbita causada por um ataque cardíaco fulminante ou acidente vascular cerebral. As principais vítimas são os Salaryman, nome dado aos assalariados japoneses, especialmente do sexo masculino, que trabalham nas mais diversas corporações no Japão.
Esses assalariados são conhecidos por suas longas jornadas de trabalho, pela ausência de um salário compatível com a carga horária de trabalho e também por sofrerem em alguns casos, vários tipos de humilhações por parte de seus superiores, em consequência do seu baixo prestígio dentro da hierarquia corporativa.
O primeiro caso de karoshi foi documentado em 1969, com a morte de um rapaz de 29 anos que trabalhava em um departamento de transporte no Japão. Porém, foi a partir da década de 80, com a “bolha econômica”, que o Karoshi passou a ser visto como um problema social e uma ameaça séria aos assalariados em geral.
Em 1987, como forma de alertar a classe trabalhadora sobre os riscos de morte por excesso de trabalho, o Ministério do Trabalho Japonês começou a publicar estatísticas anuais sobre os números preocupantes relacionados ao karoshi e Karojisatsu (suicídio provocado por condições estressantes de trabalho).
De acordo com dados do governo, pelo menos 150 trabalhadores morrem de karoshi anualmente. Porém, os números já foram bem maiores. Em 2005, 328 funcionários japoneses morreram por excesso de trabalho, 7 vezes mais do que em 2000. Já em 2007, 672 dos 2207 suicídios, tinham o mesmo motivo como causa principal.
A arte dos japoneses de dormir em qualquer lugar é chamada de Inemuri e quando proveniente do esgotamento físico devido ao excesso de trabalho ou estudo, é visto como algo positivo.
Isso indica que a pessoa está dando o seu melhor e se empenhando ao máximo no que está fazendo, embora também indique que a pessoa possa vir a se tornar mais uma vítima do Karoshi.
A garra e a força de vontade, características marcantes do povo japonês foram essenciais durante as décadas de 50 e 60, pois ajudou o Japão a se reerguer economicamente durante o pós guerra, transformando-o em uma grande potência mundial.
Mas por outro lado, contribuiu para a ocorrência do Karoshi, um problema grave que ainda persiste entre os assalariados na sociedade moderna.
Processos de Karoshi nos tribunais
Durante décadas, o governo japonês vem tentando (e falhando muitas vezes) estabelecer limites em relação às horas extras. De acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão, uma “morte súbita de um funcionário que trabalha uma média superior a 60 horas semanais já pode ser enquadrado como karoshi.
Uma carga horária de mais de 70 horas extras por mês pode causar estresse, fadiga e esgotamento físico que por sua vez, pode levar à morte súbita ou invalidez. Além disso, horas extras não remuneradas (Furoshiki) continua sendo rotina em muitas fábricas e escritórios no Japão e com certeza contribui ainda mais para o estresse.
Existem muitos processos de indenizações correndo há anos nos tribunais japoneses, por parte de parentes que exigem indenização às empresas pela morte de algum familiar, cuja causa foi atribuída ao karoshi. Porém, esses processos podem levar anos para serem concluídos, pois é feito uma investigação detalhada para provar que a morte ocorreu de fato por excesso de trabalho.
Além da morte súbita decorrente do excesso de trabalho, a justiça japonesa concede indenização aos familiares também em casos de invalidez ou suicídio do funcionário, cuja causa foi o estresse ou depressão causada pela sobrecarga de trabalho. Porém com a demora dos processos, muitos acabam abrindo mão da indenização.
Equilíbrio entre a vida e o trabalho
Uma pesquisa realizada pelo governo japonês mostrou que 90% dos trabalhadores não entendem o conceito de equilíbrio entre o trabalho e a vida. Quatro entre cinco afirmaram que cancelariam qualquer compromisso pessoal, caso seu chefe pedisse que trabalhasse fora do horário normal de expediente.
Atualmente, muitas empresas tem se esforçado para garantir que seus funcionários aprendam sobre a importância da qualidade de vida e desenvolvam um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. O número de jovens japoneses que recorrem ao trabalho temporário também mostra que a geração de agora está mais preocupada em “trabalhar pra viver” ao invés de “viver para trabalhar”.
Apesar de ganharem muito menos do que talvez ganhariam em um trabalho fixo em alguma empresa, a qualidade de vida destas pessoas é geralmente muito superior. Nesta mesma linha, uma nova geração denominada como Sōshoku danshi (Homens Herbívoros) e Hikikomori (pessoas que se isolam do resto do mundo) vem sendo apontados como “a geração perdida” na sociedade moderna japonesa.
As duas faces de uma mesma moeda
Essa nova geração não se interessa em namoro e em casamento. Além disso, em contraste ao fenômeno karoshi, estas pessoas, maior parte do sexo masculino, não tem intenção alguma de crescer financeiramente, o que traz preocupações ao governo japonês em relação à natalidade e desenvolvimento econômico do país.
Com esses fenômenos que marcam a sociedade japonesa podemos constatar mais uma vez de que o Japão é realmente um país de contrastes. Na minha opinião, tanto o Karoshi como o Hikikomori são exemplos de desequilíbrio entre o trabalho e a vida. Acredito que é preciso um meio termo nessas duas situações, ou seja, se esforçar para evoluir profissionalmente, mas sem deixar de lado a saúde e a qualidade de vida.
Trabalhar com garra, sem ultrapassar os limites do nosso corpo e sem esquecer dos momentos destinados ao descanso e lazer, seja ao lado da família ou amigos, mostra que estamos tendo o equilíbrio necessário entre o trabalho e a vida, o que é muito importante para garantir a nossa saúde física e mental.
Fonte: Japão em Foco