Como sabemos, a maior comunidade japonesa fora do Japão está no Brasil. É difícil dizer o número exato de descendentes de japoneses que vivem em terras tupiniquins, mas muitos já estão na terceira, quarta, quinta e até sexta geração, sendo que a maioria deles são frutos da miscigenação.
Mas se você é descendente de japoneses e teve a oportunidade de conviver com seus avós japoneses sabe o quanto esta experiência é incrivelmente enriquecedora. Na verdade, ter uma relação próxima com os avós, independente da nacionalidade, é sempre muito proveitosa.
Eles estão sempre à postos, nos enchendo de ternura e de mimo, nos dando colo quando precisamos, sem contar a melhor comida do mundo, que é aquela preparada com tanto amor por nossas avós.
E o que dizer dos avôs? Eles tem tanta experiência de vida, enfrentaram tantos perrengues em sua jornada que cada frase dita por eles nos passa uma sabedoria infinita. São lições que com certeza levaremos por toda nossa vida. Eu particularmente, adorava e ainda adoro ouvir as histórias de quando vieram para o Brasil, a dificuldade de adaptação, o serviço sofrido na lavoura…
Me sentia uma formiguinha diante de tanta bagagem de vida. E também sentia muita admiração por ver o sorriso que “ditian” conservava em sua face, apesar de todos os percalços que enfrentou ao longo de toda a sua trajetória. Assim como acontece com a grande maioria das pessoas, minha “obāchan” e meu “ojīchan” sempre desempenharam um papel muito importante na minha vida.
A relação entre avós e netos é um elo essencial entre as gerações, uma conexão que nos liga ao nosso passado, nos ensinando a compreender o legado cultural da família, nos ajudando a construir nossa própria identidade e ao mesmo tempo nos ajudando a descobrir o nosso lugar no mundo.
Assim, como muitas pessoas, morei em uma cidade distante dos avós. Só nos víamos no Ano Novo e em poucas ocasiões durante o ano. Mas cada visita era muito especial. Era a oportunidade que eu tinha de estar em contato com a cultura japonesa, coisa que estava presente em cada detalhe…
Os detalhes estavam na decoração da casa, nos rituais, na culinária…
Ah, quanta comida gostosa tinha na casa da minha “batian”. Foi lá que descobri o verdadeiro sabor da comida japonesa sempre temperada com muito amor.
Arroz grudadinho feito na tradicional panela de gohan elétrica, onigiri, mochi, manju, sushi, tamagoyaki, yakisoba, tenpurá, sukyaki e tantos outros pratos deliciosos.
Sim, quem conviveu com avós japoneses sabe que a fartura é uma característica essencial durante as refeições em família. É comida que não acaba mais ou “à rodo” como se diz…
Também tínhamos a oportunidade de ouvir música enka (minha vó tinha uma coleção de fitas cassete) ou então de assistir o canal japonês NHK.
Nas paredes, vários detalhes culturais que lembram o Japão como os tradicionais kakemono e os quadros de shodo. Nas prateiras, bonequinhas kokeshi, estatuazinhas do Maneki Neko, Daruma, Origami e tantos outros. E no cantinho da sala, lá estava o Butsudan, o santuário sagrado da família, onde meus avós faziam suas preces diárias às divindades budistas e aos seus antepassados.
Tem ainda o “batianês”, um dialeto que faz uma mistureba entre palavras japonesas e portuguesas. De tanto ouvi-las acabamos até decorando seus significados: Ohayo, Konichiwa, Konbanwa, Oyasuminasai, Itadakimasu, Gochisosama, Mottainai, Baka, Tadaima, Itekimasu, entre tantas outras.
Em uma cultura miscigenada como o Brasil, realmente não é uma tarefa muito fácil conservar certas tradições. Mas quando temos a oportunidade de estar na casa dos avós japoneses, especialmente com a família toda reunida, nos sentimos mais próximos da cultura, dos costumes e tradições.
Nesses momentos, junto aos nossos avós japoneses, pensamos na importância de preservar as raízes culturais que a cada dia estão mais distantes das novas gerações. Mas ter descendência japonesa é assim… ser influenciado por dois mundos, e tentar absorver o que cada um tem de melhor.
Fonte: Japão em Foco