A década de 90 trouxe uma série de descobertas que abalariam um princípio fundamental da neurociência. Por muitos anos, acreditava-se que após uma determinada idade, o cérebro adulto passava a perder neurônios e era incapaz de gerar novos.
Mas um estudo da época realizado com ratos provou que o simples ato de correr em uma roda de exercícios permitiu que novos neurônios surgissem no hipocampo, estrutura cerebral associada à memória. A partir de então, outros experimentos realizados provaram que o exercício físico é altamente benéfico para o cérebro humano, principalmente conforme envelhecemos, podendo reduzir o risco de Alzheimer e de outras doenças neurodegenerativas.
Faltava então responder uma questão muito importante, por que a atividade física afeta o cérebro? Para responder essa pergunta, precisamos repensar a forma como avaliamos os exercícios.
É uma crença comum que atos como caminhar e correr possam ser realizadas pelo corpo em um estado de piloto automático. Mas pesquisas realizadas na última década indicam que isso está errado. Ao entender melhor como atividades físicas afetam o cérebro, é possível projetar novas rotinas de exercícios que aumentem a cognição à medida que um indivíduo envelhece.
A resposta pode estar no passado
Talvez, a melhor forma para entender a relação entre se exercitar e uma boa saúde cerebral seja avaliar a evolução. Os homininos (grupo que inclui os humanos modernos e nossos parentes extintos) se separaram dos primatas entre seis e sete milhões de anos atrás. Na época, eles desenvolveram adaptações anatômicas e comportamentais muito distintas dos macacos. É possível que duas dessas mudanças sejam responsáveis pelo vínculo entre as atividades físicas e o cérebro.
Primeiro, quando nossos ancestrais adotaram uma postura bípede o cérebro teve que coordenar uma grande quantidade de informações, e ainda fazer ajustes na atividade muscular do corpo inteiro, simplesmente para manter o equilíbrio. Além disso, existe a necessidade constante de considerar os obstáculos ambientais ao nosso redor. Ou seja, simplesmente por andarmos em duas pernas, nosso cérebro passa por mais desafios cognitivos do que o de um quadrúpede.
Segundo, fósseis indicam que no início da evolução humana, nossos ancestrais provavelmente eram macacos bípedes sedentários que se alimentavam basicamente de plantas. Mas o estilo de vida dos homininos mudou para incorporar níveis maiores de atividades aeróbicas. Isso porque por volta de dois milhões de anos atrás, muitos habitats secaram por conta do clima frio e eles precisaram passar a percorrer longas distâncias para poderem caçar e coletar vegetais. Essa rotina mais fisicamente ativa exigia mais do cérebro, pois havia a necessidade de verificar os arredores e utilizar a navegação espacial. E o responsável por isso é o hipocampo, que se beneficia altamente de exercícios físicos e tende a atrofiar conforme envelhecemos. Ainda em sua viagem em busca de comida, nossos ancestrais tinham que se comunicar com o resto de seu grupo enquanto vasculhavam o ambiente, tudo isso em um passo acelerado. Em altas velocidades, a multitarefa torna-se ainda mais difícil e requer um processamento rápido de informações. Do ponto de vista evolutivo, um cérebro pronto para responder a desafios rapidamente garantia uma chance melhor para obter alimentos.
Na sociedade atual, não é preciso realizar atividades aeróbicas para se alimentar. As facilidades modernas causaram um aumento de hábitos sedentários, que podem estar relacionados com a atrofia cerebral durante o envelhecimento.
É preciso saber como se exercitar
Um ponto importante a ser considerado é que para o cérebro se beneficiar de um exercício físico, ele também precisa se envolver no mesmo. Correr em uma esteira ou usar algum outro aparelho aeróbico em uma academia não exige desafios cognitivos, ou seja, nossa mente entra no famoso piloto-automático.
Pesquisas sugerem que o ideal é realizar atividades aeróbicas em ambientes ricos em estímulos cognitivos, afinal, o desenvolvimento cerebral de nossos ancestrais se deve basicamente ao fato de precisarem se adaptar a um mundo imprevisível.
Ainda há muito a ser estudado e descoberto nessa área, mas está claro que hábitos saudáveis e a prática constante de exercícios físicos pode trazer mais benefícios do que podemos imaginar.