O surto do novo coronavírus trouxe à tona o preconceito contra os orientais. Uma arquiteta, de 37 anos, descendente de japoneses, denunciou ter sido vítima de xenofobia enquanto caminhava na rua de Santos, no litoral de São Paulo, com o filho, de apenas um ano, que estava em seu colo.
“Levei um susto e fiquei com muito medo, porque estava com meu bebê. Nunca sabemos se as ofensas verbais podem se transformar em algum tipo de agressão. Na hora, fiquei sem reação e continuei andando. Quando cheguei em casa comecei a chorar. Fui humilhada e é constrangedor termos que passar por isso”, desabafa a mulher, que preferiu não se identificar.
De acordo com a arquiteta, os jovens falavam que ela deveria retornar ao seu país e diziam que ela era portadora de coronavírus. “Na mesma quadra em que fui ofendida, presenciei uma idosa, também japonesa, ser constrangida pelos mesmo trio. Acho que por sermos mulheres, nos tornamos figuras ainda mais frágeis de serem atacadas. Para mim, eles disseram: Coronavírus, volta para o seu país”, relata.
Para a arquiteta, o momento traz medo de andar na rua para os orientais, que estão sendo atacados constantemente com ofensas verbais. “Muitas pessoas acham que qualquer oriental é igual e, mesmo que eu fosse descendente de chineses, ninguém merece esse tipo de ataque. Na verdade, eu corro o mesmo risco de contrair esse vírus como qualquer outro, então não é etnia que define isso. Não somos portadores do vírus”, explica.
Neste sábado (29), a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que o número de casos de coronavírus subiu para 85.403, depois de 1.753 novas confirmações. Na véspera, a organização elevou para “muito alto” o risco mundial da epidemia de Covid-19, o mais alto possível.
De acordo com ela, o medo e a falta de informação são as principais causas do preconceito que vem sendo sofrido pelos orientais. A arquiteta afirma que não registrou boletim de ocorrência por se tratar de adolescentes e acreditar que eles precisam receber informação para mudar a forma de pensar. “Acho que é preciso ser explicado mais sobre o coronavírus diretamente a essas pessoas. Não acho que a repressão irá fazer com que essa situação mude, e sim o diálogo. Se fosse uma pessoa mais velha, eu prestaria queixa”, finaliza.
Denúncias
A arquiteta conta que uma amiga é descendente de chineses e chegou a perder amigos por receber ofensas nas redes sociais. Uma outra colega, de família japonesa, viajou para Nova York e todas as viagens que ela pedia eram canceladas pelos motoristas de aplicativos. “Ela estava de máscara e eles cancelavam quando a viam. Ela só conseguiu quando tirou a máscara”, diz.
“Isso é desnecessário e dói muito, porque não é o ataque contra os orientais que vai prevenir a doença. Até agora vi poucas campanhas de conscientização vinda de autoridades e de médicos. A população ainda tem pouca informação. Eles precisam saber que a xenofobia e o preconceito não é a resposta. Quanto mais informação as pessoas tiverem, menos isso poderá acontecer”, destaca.
O Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina) afirma ter recebido mensagens de pessoas de origem chinesa e de outros países asiáticos, bem como seus descendentes, relatando casos de racismo e xenofobia, após a divulgação da origem dos casos confirmados e suspeitos de coronavírus. Para atender esta demanda, o Instituto criou uma Central de Denúncias.
O objetivo, segundo o Ibrachina, é centralizar as informações sobre estes crimes, reunindo os dados que serão entregues às autoridades brasileiras para que adotem as medidas legais cabíveis. As denúncias podem ser realizadas através do e-mail [email protected]. A orientação é que as vítimas informem os nomes completos, a data, local e horário do fato, e incluam um relato do que aconteceu com fotos e/ou vídeos, se possível.
Coronavírus no Brasil
O Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo confirmaram neste sábado (29) o segundo caso do novo coronavírus no Brasil. De acordo com o ministério, o paciente é um homem de 32 anos. Ele chegou na quinta-feira (27) de Milão, na Itália — país com maior número de casos fora da Ásia.
Já o primeiro caso de novo coronavírus no Brasil foi confirmado na quarta-feira (26). De acordo com o Ministério da Saúde, trata-se de um homem de São Paulo que também veio da Itália. O paciente, de 61 anos, foi o primeiro caso da doença no país e em toda a América Latina. Ele está em quarentena domiciliar e passa bem.
Cientistas do Brasil e de Oxford conseguiram sequenciar, na sexta-feira (28), o genoma do novo coronavírus detectado em São Paulo. Enquanto outros países levam em média 15 dias, o caso brasileiro foi sequenciado em 2.
O país tem 182 casos suspeitos de Covid-19, segundo último levantamento do Ministério da Saúde. Outras 71 suspeitas foram descartadas desde o início do monitoramento.