Em tempos de coronavírus, as máscaras feitas com um recorte retangular de polipropileno ou de camadas de gaze com elástico nas extremidades viraram peça rara.
Na esperança de trazê-las de volta às prateleiras, desde o dia 15 o Japão começou a punir quem faz a revenda abusiva do produto.
Infratores estão sujeitos a uma pena de até um ano de prisão e multas que poderão chegar a US$ 9,5 mil (cerca de R$ 48 mil). A medida também se aplica a leilões online.
Na cruzada pela volta das máscaras, o governo também forneceu subsídios para fabricantes aumentarem a produção e afirma ter garantido um estoque de mais de 600 milhões de unidades por mês, número que ainda parece insuficiente para atender à crescente demanda.
A estudante Hime Takimoto, de 13 anos, resolveu dar sua pequena contribuição. Ao ver pessoas idosas em um loja em Kofu (Província de Yamanashi) atrás de máscaras, a adolescente teve a ideia de costurar ela própria o cobiçado item.
A garota usou parte do “otoshidama” (presente de Ano-Novo em dinheiro), algo em torno de 80 mil ienes (cerca de R$ 3.700), da poupança para aquisição de gaze, linha e elástico. “Eu e meu marido nos dispusemos a ajudá-la, mas ela preferiu bancar tudo sozinha”, conta a mãe.
Depois de aprender um modelo de máscara, Hime aproveitou esse período sem aulas devido ao coronavírus para mexer na máquina de costura da mãe.
Trabalhando cinco horas por dia, a garota produziu 612 unidades: 400 para adultos e 212 em tamanho infantil.
Cada máscara foi colocada em um saquinho plástico com uma mensagem manuscrita pela garota, lembrando as pessoas da importância de também lavar bem as mãos.
“Não costuro tão bem, mas fiz tudo com carinho, pensando em ajudar o maior número de pessoas”, diz a estudante.
Nesta semana, ela entregou a caixa com o resultado de seu trabalho ao governador da Província de Yamanashi, para que as máscaras sejam doadas a asilos e orfanatos.
O infectologista Sachio Miura, da Faculdade de Medicina da Universidade de Nagasaki, ressalta que máscaras caseiras devem ser vistas como “itens de etiqueta”.
Não dá para assegurar que elas irão impedir a pessoa de pegar a doença, porém podem evitar que um indivíduo infectado passe o vírus adiante.
O médico japonês explica que o produto mais eficaz e recomendado são os respiradores do tipo N95 e o PFF2 (com certificação europeia). “São dessas máscaras que os médicos mais precisam hoje”, diz.
Máscaras laváveis
Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomende o uso de máscaras – somente por quem está contaminado –, muita gente sem qualquer sintoma quer ter a boca e o nariz cobertos de alguma maneira, para se sentir protegida. As máscaras são o símbolo dessa ansiedade.
Para pessoas assim, há vários modelos sendo produzidos à mão no Japão. Um casal de artesãos de Shimane, por exemplo, resolveu usar o papel tradicional japonês washi como matéria-prima de uma máscara que pode ser lavada e reutilizada várias vezes.
Na cidade de Soja (província de Okayama), sete entidades que atendem pessoas com deficiência resolveram se juntar para produzir máscaras usando denim.
O tecido, de uma variedade mais macia, foi escolhido por ser um dos produtos de importância econômica para a cidade de 60 mil habitantes.
“É um trabalho em que todos ganham”, diz o prefeito Soichi Kataoka. O projeto tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência, oferecendo a elas um tipo de atividade.
As vendas são feitas no saguão da prefeitura de Soja e começaram no dia 16. As cem máscaras ofertadas no primeiro dia se esgotaram em 20 minutos.
A capacidade de produção diária está limitada a 50 unidades, porém a prefeitura pretende usar máquinas de costura que estão obsoletas nas escolas e convidar mais entidades para chegar a dez mil unidades.
Sobre a eficácia para proteger do coronavírus, um dos envolvidos no projeto reconhece as limitações do produto, mas assegura que nesse cenário de escassez de máscaras, o item pode ser útil para muita gente.
“A cidade de Soja não registrou nenhum caso de coronavírus, mas a procura pelo produto é grande. Quem tem alergia a pólen também precisa da máscara.”
Quando as máscaras começaram a sumir das prateleiras com a rápida propagação do coronavírus, o governo japonês buscou medidas para normalizar a oferta.
No início de março, o primeiro-ministro Shinzo Abe evocou a Lei sobre Medidas de Emergência para Estabilizar as Condições de Vida do Público, numa tentativa de regular a venda e distribuição de máscaras em Hokkaido.
A Província localizada no extremo norte do Japão tem o maior número de casos confirmados de coronavírus: 157 do total de 956 registrados até o dia 19 em todo o país.
Segundo o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão, o governo realizou uma compra global de 20 milhões de máscaras de tecido.
Elas começarão a ser distribuídas na próxima semana em instalações de atendimento, centros de atendimento a pessoas com deficiência, creches e instalações que oferecem programas após a escola.
Múltiplos usos
No Japão, o uso de máscaras cirúrgicas no dia a dia é anterior à pandemia de coronavírus e faz parte da etiqueta social. O costume foi estimulado pela epidemia de Sars em 2002 e 2003, gripe H1N1 de 2009, além da polinose.
Nessa época do ano, o vento espalha o pólen do cedro que foi plantado pelo governo em áreas montanhosas no período pós-guerra do país, deixando as pessoas com os olhos marejados e espirros contínuos. Estima-se que um quinto da população japonesa sofra com a alergia a pólen e precise da proteção.
Há outras razões pelas quais as pessoas usam máscaras que nada têm a ver com a saúde. Takashi (nome fictício), aluno do ensino médio, tem um estoque para uso diário quando vai ao colégio.
“Com a máscara, me sinto mais protegido. As pessoas percebem que não estou a fim de papo”, diz o adolescente japonês, reconhecidamente tímido e de poucos amigos. A máscara, nesse caso, intimida qualquer um que queira chegar perto.
Por enquanto ele está sem aulas por solicitação do governo central a toda a rede de ensino. A preocupação de Takashi é se o abastecimento de máscaras vai ser resolvido antes do início do novo ano letivo, porque o estoque está quase zerando.