Depoimento de um ex-Tantousha no Japão
Para os Dekasseguis, um personagem marcante foi a figura do Tantousha, qualquer pessoa que trabalhou ou trabalha no Japão conhece ou conheceu em algum momento na vida, nessa jornada de trabalho no exterior. O Tantousha (担当者- a junção da palavra “tantou” que significa encarregado e “sha” que significa pessoa, ou seja pessoa encarregada que presta auxílio nas empresas).
O Tantosha é uma pessoa que faz a ligação entre a empresa que contrata e o trabalhador que é a mão de obra, normalmente contratado através de uma empreiteira. Uma de suas funções é procurar e selecionar trabalhadores para as empresas as quais são intermediadas pela empreiteira.
Além de disso, eles faz os trâmites burocráticos dos funcionários traduzindo documentos, tirando vistos, passaportes, documentos de identidade ou carteira de motorista; a acomodação dos funcionários, alocando os em apartamentos, alojamentos e casas; providenciando o transporte de funcionários e utensílios domésticos e eletrodomésticos como fogão, geladeira e máquina de lavar.
Dependendo da empreiteira, também é fornecido ventiladores e ar condicionado no verão e aquecedor elétrico ou a querosene no inverno, além de louças colchões e cobertores.
Eu, nos meus dezesseis anos de Japão, entre outros empregos, tive a oportunidade de trabalhar de tantousha. Naquela época, as empresas preferiam contratar mais mulheres ou casais por serem mão de obra mais barata (já estava em fase inicial da crise e com o avanço dos chineses, os salários despencaram e bons trabalhos para homens começaram a escassear).
O que parecia bom, era na verdade uma tremenda dor de cabeça, com muitos momentos felizes, tristes, inconvenientes, bizarros e que necessitaram uma paciência e firmeza de Jó (o personagem bíblico que nunca perdeu a fé diante de todas as desgraças que lhe caíram).
A profissão (ou cargo como queiram) exige muito tato,compreensão e muito sangue frio para lidar com os diversos entraves enfrentados, muitos até delicados, como soltar funcionários presos por alguma contravenção, ou levar funcionária para um parto! Uma vez tive até que dar uma assessoria ao funeral da mãe de uma funcionária, o que me comoveu muito também!
Por ter mais mulheres do que homens como funcionários, nós os tantoushas éramos muito assediados, por simples amizade ou empatia que criávamos em relação ao trabalho, ou por “interesses”, por isso era muito complicado, principalmente por eu ser casado e como profissional, procurava atender da melhor maneira as necessidades dos funcionários.
As vezes isso complicava e eu acabava ficando um “tantrouxa”, pois elas confundiam os interesses profissionais com os particulares e acabavam por criar muitas complicações, pois se você faz tudo que elas pedem, você é “bonzinho”, mas se porventura você em determinado momento não pode, acaba sendo o “pior tantousha do mundo” pois elas esquecem tudo o que você já fez e só vai lembrar dessa única vez que você não pôde ajudá-la.
Mas faz parte da vida e do trabalho no Japão… Apesar de tudo, foi muito gratificante pois fizemos muitas boas amizades que perduram até hoje e como trabalhei dos dois lados (tanto como tantousha, como funcionário de fábrica) pude ver as duas faces e colher o melhor dos frutos, a dedicação, o esforço, a fibra e a coragem de enfrentar os diversos infortúnios e desafios de uma cultura que pensávamos conhecer do outro lado do mundo!
Por Willian Yoshi Onno
Escritor do livro “Decassegui – A Receita do Enriquecimento” lançado em novembro de 2015, descreve toda a saga dos japoneses e seus descendentes desde que vieram ao Brasil e voltaram ao Japão através de seus descendentes, além de fazer a ponte com a rica cultura japonesa que nos deixaram como legado.
Fonte: Japão em Foco