Os relacionamentos românticos são uma parte complexa de nossa existência, e estão muito ligados ao tipo de vida que levamos, à forma como enxergamos as nós mesmos, as pessoas ao nosso redor e à vida de uma maneira geral.
Muitas vezes, buscamos em um relacionamento tudo aquilo que nos falta em outras áreas da vida: o amor dos pais, a aceitação das pessoas ao redor, a autoestima que não conseguimos manter e o amor-próprio que está em falta. Esses e outros motivos podem nos levar a procurar uma pessoa que tenha ou seja tudo aquilo que nós não temos ou não somos.
Começamos a planejar nossas vidas ao lado de alguém totalmente diferente de nós, acreditando que os opostos não apenas se atraem, mas podem ser extremamente felizes juntos. Confiamos a outra pessoa a missão de nos faz feliz, de preencher nossas vidas com aquilo que nos falta, sem perceber que, ao invés de melhorar, podemos tornar as coisas muito mais difíceis.
Conviver com uma pessoa totalmente diferente de nós é um grande desafio, pois nos força a desenvolver paciência, tolerância, aceitação. Faz-nos enxergar que tudo que acontece tem mais de um lado a ser analisado e que nossa opinião não é sempre soberana.
Essa convivência pode ser de grande aprendizado, quando as duas pessoas estão realmente investidas na relação e dispostas a aprender com o outro.
No entanto, em muitos casos também pode se tornar uma guerra, com ambos os lados tentando provar sua razão o tempo todo ou diminuindo o outro por não concordar em enxergar a vida de sua maneira. A situação se torna ainda mais difícil quando pensamos em ter, ou temos, uma família com a pessoa.
Todas essas entrelinhas nos fazem pensar se realmente estar com um alguém totalmente oposto a nós é a melhor escolha que podemos fazer para nossas vidas. Cada um tem a sua própria opinião e o direito de fazer o que achar melhor com a própria vida romântica, mas ouvir o que pessoas experientes no assunto têm a dizer sempre acrescenta algo de positivo para nós.
Para fazê-lo refletir sobre o tema, apresentamos um texto do médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor, Flavio Gikovate, que contém pontos de vista importantes sobre os relacionamentos com opostos. Confira.
“É voz corrente que, nos relacionamentos afetivos, os opostos se atraem. Diante do fato, a gente se posiciona de forma curiosa: como sempre ouvimos falar disso, consideramos a afirmação absolutamente verdadeira.
Não duvidar de sua lógica parece nos conduzir a um “porto seguro” e acabamos por acreditar que o fenômeno é inevitável.
Por acaso alguém já se questionou a respeito? Afinal de contas por que os opostos se atraem? Trata-se de uma fatalidade, de uma lei da natureza que nos leva a bons resultados?
Acho muito importante assumir uma atitude crítica e de reflexão em torno dos problemas do amor, pois é a emoção que mais dor e sofrimento nos tem causado. São raras as pessoas realmente felizes e realizadas nessa área.
Devem existir muitos erros e ignorância em relação ao amor. Aliás, é só de algumas décadas para cá que os profissionais de psicologia – e, ainda hoje, poucos entre eles – começaram a se interessar pelo assunto, até então reservado aos poetas.
Gostaria de externar de modo categórico a minha opinião, fundamentada em mais de 45 anos de experiência como psicoterapeuta: os opostos se atraem, mas nem por isso combinam bem.
O resultado desse tipo de união não é obrigatoriamente um sucesso. Pessoas muito diferentes vivem brigando e se irritando umas com as outras.
Temperamentos e gostos antagônicos dificultam a vida em comum. Durante o período de namoro, os obstáculos existem, mas não são tão importantes, uma vez que são raras as coisas práticas compartilhadas.
Após o casamento, porém, as divergências infernizam o cotidiano. Como encaminhar a educação dos filhos se os pontos de vista são tão diferentes? Como planejar a economia doméstica, a ordem dentro de casa, as viagens de férias?
Na prática, ocorre o seguinte: os opostos se atraem, mas na rotina da vida em comum as contradições se acirram.
Começa então a tarefa de cada um tentar modificar o outro. O marido quer moldar a mulher de acordo com o seu modo de ser; a mulher deseja que o marido a compreenda e se aproxime dos seus pontos de vista.
Será que isso é possível? Não deveriam diminuir as diferenças com o convívio? Deveriam, mas não diminuem, talvez por causa do medo de ver o encantamento amoroso desaparecer.
Sim, porque afinal de contas os namorados se sentiram atraídos exatamente por serem pólos opostos. Se ficarem parecidos, não acabará o amor? Os casais convivem por anos, sempre se desentendendo, sempre procurando fazer do outro um semelhante e só conseguem agravar as diferenças e piorar as brigas.
Não deixa de ser ironia que a gente se sinta fascinado por pessoas com as quais não teremos um bom convívio. Esse fenômeno é responsável por um enorme número de uniões infelizes e que, hoje, acabam em divórcio.
Cabe indagar: a atração por opostos é inevitável? Acho que não, apesar de ser muito comum, especialmente na adolescência.
Considero fundamental entendermos as razões que levam a esse tipo de encantamento. Conhecendo-as, poderemos evitar o erro e nossas chances de sucesso no amor aumentarão bastante.
A principal causa do magnetismo entre opostos é, sem dúvida alguma, a falta ou diminuição da autoestima. Quando não estou satisfeita com o meu modo de ser, procurarei alguém que seja completamente diverso.
Se eu for introvertido e tímido, a tendência será me apaixonar por uma pessoa extrovertida e sem inibição. Com o tempo, o que suscitava minha admiração e era uma “qualidade” se tornará fonte de irritação, mas no início ficarei encantado.
Ao “ter” o outro, “tenho” a extroversão que me faltava. Sinto-me mais completo. Tudo muito lógico na teoria.
Na prática, as diferenças nos desagradam, dificultam nossas vidas, criam barreiras e resistências cada vez maiores. Elas são responsáveis pelos atritos constantes e pelas brigas “normais” entre marido e mulher. Será que são mesmo normais?”