O segredo não está apenas no sushi. Muita gente acredita que a explicação para a maior longevidade dos japoneses esteja no tipo de alimentação que predomina no Japão. Porém, não é só o que vai à mesa – ou entre os hashis, os “pauzinhos” usados como talheres – que proporciona vida mais longa aos habitantes do país.
Na verdade, a comida também está entre as razões que levam os japoneses a viver mais – 27,05% da população do Japão já têm 65 anos ou mais, segundo dados de 2017 do Banco Mundial.
Mas há ainda outras causas, formando um verdadeiro combo de ingredientes favoráveis a essa longevidade estendida. Entre eles, cultura, educação e acesso à saúde pública. E, permeando esses aspectos, um elemento fundamental para compor o quadro de maturidade prolongada: a tecnologia.
“A longevidade no Japão é fruto de vários fatores, como avanços na medicina e nas novas tecnologias voltadas à área médica”, afirma Yasushi Noguchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo.
Porém, segundo ele, muito da efetividade desses progressos passa pela otimização do acesso da população japonesa aos serviços médicos prestados no país, além do aumento da quantidade e da qualidade desses serviços.
Parcerias público-privadas
O governo tem investido em medidas para diminuir a ocorrência de doenças infecciosas transmissíveis, de acordo com o cônsul-geral. Mas não só o setor público responde pelos avanços. “A prestação de serviços na área da saúde ocorre em parceria com investimentos do setor privado”, frisa Noguchi. E, no controle do sistema de seguro-saúde, “o próprio cidadão arca com uma parte dos custos médicos, enquanto a outra parte é custeada pelo governo”, diz.
Para tanto, entra em cena outro agente responsável pela longevidade dos japoneses: a melhoria do padrão de vida da população em geral, decorrente do crescimento econômico do país.
Em paralelo, “investimentos na área educacional também contribuíram” para estender a vida no Japão, lembra o cônsul-geral. E, aqui, entra o aprimoramento dos padrões de nutrição e dieta – o que nos leva, enfim, ao famigerado sushi como componente de uma vida saudável.
Apoio aos cuidadores
Em relação ao quesito tecnologia, Nogushi destaca que “os avanços da ciência criaram novos dispositivos e medicamentos eficazes que, além de ajudar a curar doenças que até então não eram curáveis, colaboram para prolongar a vida com qualidade”, diz.
“Também contribuem para aprimorar o sistema de assistência médica, com o uso, por exemplo, de exoesqueletos, equipamentos que auxiliam os cuidadores nas ações de assistência médica aos pacientes.”
É nessa seara que Layla Vallias, especialista em economia prateada e cofundadora da Hype60+, consultoria de marketing focada no consumidor maduro, observa grandes avanços tecnológicos no Japão.
“Além de ajudar o próprio idoso, algumas soluções oferecem apoio e facilidades para todo o círculo do cuidado, envolvendo familiares e também cuidadores”, salienta a especialista, que também coordenou o Tsunami60+, maior estudo sobre economia prateada e raio-X do público maduro no Brasil.
“Um dos robôs que conheci no Japão é uma cama que vira cadeira de rodas com o apertar de um botão”, exemplifica. “Com isso, não há a necessidade de os cuidadores fazerem o esforço de carregar o paciente em seus braços, mantendo também a longevidade de quem cuida numa realidade em que essa pessoa cada vez mais será também madura.”
Tecnologia amiga
Por sinal, um ponto a ser ressaltado no que diz respeito a esses aparatos é que eles são incorporados com naturalidade ao dia a dia dos habitantes do Japão – quase como o uso de hashis à mesa de um restaurante japonês.
“Para os japoneses, a tecnologia é uma velha amiga, presente em diversos momentos da rotina, como na rapidez dos trens-bala ou na pontualidade dos metrôs”, avalia Layla. “Para os maduros japoneses, usá-la como apoio nessa fase da vida não é novidade, mas sim algo natural.”
Assim, os recursos vão muito além do que se projeta em filmes de ficção científica, povoados de robôs humanoides que roubam os empregos das pessoas. “As tecnologias que mais contribuem com a longevidade são aquelas que ajudam os idosos do Japão a viver mais tempo em suas próprias casas, envelhecendo com conforto e segurança”, menciona ela. “Um exemplo é a foca Paro, um pet-robô fofinho que apoia emocionalmente pessoas mais velhas, trocando carinho e companhia com a facilidade de não precisar passear ou ter a caixa de areia trocada.”
A especialista cita ainda exoesqueletos como os produzidos pela empresa Cyberdyne, os quais “ajudam a manter a coluna ereta e o corpo sem dores”; e “aplicativos de mobilidade que, em parceria com centros de convivência e compras, como o AEON Supermarket, mantêm o maduro ativo, aprendendo coisas novas, divertindo-se e socializando”.
Por sinal, o objetivo do governo japonês é mesmo o de auxiliar os idosos a “continuar suas próprias vidas o máximo possível em suas residências e nas áreas que estão acostumados a frequentar”, como sinaliza o cônsul-geral Yasushi Noguchi.
“Para que isso ocorra, estão sendo realizados esforços para tornar viável um sistema abrangente de atendimento comunitário local de suporte e provisão de serviços para cada região das cidades”, diz. “Esses serviços incluem os da área da saúde, como assistência de enfermagem, assistência médica e prevenção.”
Combate à solidão: desafio da longevidade dos japoneses
O aumento da longevidade dos japoneses carrega ainda consigo um grande desafio: o de evitar o isolamento e a solidão dos idosos. “Em cada município, temos uma equipe de assistência social para o monitoramento de cidadãos com idade avançada”, especifica Noguchi.
“Também contamos com o apoio de empresas de gás, água e energia elétrica, entre outras, que nos mantêm informados sobre a situação dos idosos em suas residências. Estamos trabalhando para construir uma rede comunitária de suporte social com os moradores de cada região.”
Esse tipo de iniciativa consiste em uma evolução do conceito de “aging place”, ou o bem-envelhecer no próprio lar, para o “thriving in community” (prosperar em comunidade), que, segundo Layla, é “o movimento de criar possibilidades e facilitar o protagonismo do maduro em sua comunidade – em seu bairro – com atividades e responsabilidades e o apoio da tecnologia”.
“Algo que me surpreendeu quando estive no Japão foi observar nas ruas pessoas com mais de 80 anos atuando como motoristas de ônibus, gestores de trânsito e nos restaurantes”, diz ela. “Os prateados estão por todos os lados, trabalhando, consumindo, vivendo.”