Hiroo Onoda foi um dos últimos soldados japoneses a parar de lutar na Segunda Guerra Mundial, afinal sua trajetória de dedicação e coragem — além de um pouco de teimosia e ilusão — só terminou 29 anos depois que o Exército Imperial Japonês se rendeu aos Aliados a bordo do USS Missouri, em 2 de setembro de 1945.
A trajetória de Onoda
A história da família de Hiroo sempre se entrelaçou com a dos samurais. Inclusive a de seu pai, que foi um sargento da cavalaria japonesa que lutou e morreu na Segunda Guerra Sino-Japonesa, na China.
Na busca em honrar sua linhagem familiar, ele se alistou aos 18 anos no Exército Imperial Japonês — o ato se deu apenas um ano antes do Japão entrar em guerra com os Estados Unidos, após o ataque de Pearl Harbor.
No exército, ele foi escolhido para ser treinado como Oficial de Inteligência do Exército Imperial na Escola Nakano — um centro de treinamento militar especializado no ensino de técnicas militares não convencionais, incluindo táticas de guerrilha, sabotagem, contrainteligência e propaganda.
Com as habilidades adquiridas ao longo do seu treinamento, Onoda foi enviado em dezembro de 1944 para a Ilha Lubang, nas Filipinas, com a missão de deter as tropas americanas e Filipinas pelo maior tempo possível.
A intenção era impedir que as tropas americanas se firmassem na região, atrasando sua capacidade de se aproximar do Japão e dando ao Exército Imperial Japonês mais tempo para se reagruparem e se prepararem para os ataques.
No entanto, quando Hiroo Onoda chegou à ilha, os oficiais que estavam lá — que tinham a patente superior à de Onoda — se recusaram a deixá-lo cumprir sua missão, optando por lutar contra a linha de frente das tropas invasoras.
Porém, quando as tropas americanas desembarcaram na pequena ilha, em 28 de fevereiro de 1945, as forças japonesas foram rapidamente derrotadas. Vendo que sua ruína era iminente, Onoda ordenou a três soldados que entrassem na floresta com ele para organizarem uma tática de guerrilha.
Assim, o oficial continuou com essa estratégia pelos próximos 29 anos. Ele e seus homens sobreviveram com uma dieta baseada em arroz, coco e a carne do gado que era abatido durantes operações agrícolas.
A guerra sem fim contra um inimigo inexistente
Em agosto de 1945, quando a guerra entre o Japão e os EUA chegou ao fim, Onoda havia notado uma pausa nos combates, mas não suspeitava que sua nação natal havia se rendido. Então, ele continuou sua guerra particular, matando fazendeiros locais e até se envolvendo em tiroteios com a polícia que foi enviada atrás dele.
Conhecendo a existência dessas unidades de guerrilha japonesas, que não tinham um método de comunicação com o comando militar central, os Estados Unidos fizeram vários esforços para garantir que as notícias da rendição do Japão chegassem a esses pontos, incluindo o lançamento de panfletos explicativos.
Hiroo Onoda e seus homens encontraram um folheto americano anunciando o fim da guerra e a rendição do Japão em outubro de 1945. No entanto, ele rapidamente descartou o documento como propaganda, algo com o qual estava intimamente familiarizado com seu treinamento.
No final daquele ano, mais folhetos chegaram, desta vez com uma ordem de rendição impressa pelo general Tomoyuki Yamashita, do décimo quarto exército de área. Ele e seus homens estudaram cuidadosamente o documento e finalmente concluíram que era falso. Onoda, que tinha um senso de orgulho muito tradicional, não podia imaginar que os japoneses se renderiam e pensou que eles lutariam até a morte do último soldado.
Assim, ele e seus homens continuaram sua campanha de terror no campo, iludindo as autoridades e guerrilheiros das Filipinas.
A primeira baixa
Em 1949, um dos homens de Onoda, o soldado Yūichi Akatsu, começou a perceber que a guerra havia terminado. Ele se afastou do resto de sua unidade e viveu sozinho por seis meses antes de se render ao Exército das Filipinas em março de 1950.
Após a rendição, Akatsu informou o resto do mundo sobre os soldados japoneses que ainda estavam na Ilha Lubang. Com essa informação em mãos, os americanos entraram em contato com os familiares dos combatentes e pediu que eles enviassem fotos e cartas pedindo o retorno deles para casa. Essas mensagens se espalharam pela Ilha em 1952.
“Encontramos folhetos e fotos de nossas famílias”, lembrou Onoda em uma entrevista posterior. “Presumi que eles estavam vivendo sob a ocupação e tiveram que obedecer às autoridades para sobreviver”.
Com mais baixas no plantel, Onada ficou sozinho em sua missão
As duas décadas seguintes foram difíceis para Hiroo Onoda. Em 1954, ele perdeu outro de seus compatriotas quando o cabo Shōichi Shimada foi baleado e morto por um grupo de filipinos. Então, em 1972, seu último aliado, o soldado de primeira classe Kinshichi Kozuka, foi morto pela polícia enquanto os dois queimavam o silo de arroz de uma aldeia.
Onoda estava agora sozinho, travando uma guerra de um homem contra o governo das Filipinas. Nesse ponto, após o retorno de Akatsu e a morte de Shimada e Kozuka, o público japonês estava bem ciente e, de certa forma, apaixonado pela história de Hiroo Onoda.
Um desses japoneses era Norio Suzuki, um aventureiro que havia viajado bastante. Em sua viagem ao mundo em 1974, Suzuki disse que queria ver “o tenente Onoda, um panda, e o Abominável Homem das Neves, nessa ordem”.
Seu desejo se tornou realidade, em partes, quando ele chegou às Filipinas em fevereiro daquele ano e encontrou Hiroo Onoda na selva da Ilha Lubang. O velho soldado inicialmente desconfiou de Suzuki, mas essas preocupações foram atenuadas quando o jovem japonês disse: “Onoda-san, o imperador e o povo do Japão estão preocupados com você”.
Ele disse ao garoto que não sairia da ilha até que ele fosse dispensado por um oficial superior. Quando Suzuki voltou ao Japão no final daquele ano, ele contou ao governo japonês as condições de Onoda.
O fim da missão de Onoda
O governo localizou o comandante de Onoda, o major Yoshimi Taniguchi, que havia se tornado um livreiro, e o levou para Lubang. Assim, em 9 de março de 1974, aos 52 anos, Hiroo Onoda emergiu da selva, ainda vestido com seu uniforme oficial esfarrapado e com seu rifle e espada de serviço ainda em excelente forma, para aceitar a ordem de seu comandante dizendo-lhe para abaixar a guarda.
Mesmo assim, ele estava incerto e preparado para uma armadilha quando, finalmente, largou o rifle, 500 munições, sua espada cerimonial e uma adaga, e saudou a bandeira da sua nação. Ele apresentou sua espada ao presidente das Filipinas em um ato de rendição e foi perdoado por seus muitos crimes contra o Estado. Então, ele voltou ao Japão, onde foi recebido como herói por uma população animada.
Logo após retornar, ele se envolveu na política de direita, pedindo um Japão mais forte e mais parecido com a guerra. Sua fama e as vastas mudanças que ocorreram no Japão durante o tempo em que esteve fora o deixaram desconfortável.
Vinda para o Brasil e sua morte
Em 1975, ele se mudou para o Brasil, onde se dedicou à criação de gado. Posteriormente, ele voltou ao Japão e criou escolas de natureza para jovens, que acreditava que as ajudariam a se conectarem ao mundo natural e a construir valores positivos.
Em 6 de janeiro de 2014, Hiroo Onoda morreu de insuficiência cardíaca aos 91 anos de idade. Embora ele não tenha sido o último soldado japonês a parar de lutar na Segunda Guerra Mundial (essa distinção pertence a Teruo Nakamura, outro guerrilheiro que continuou lutando no país), ele provavelmente era o mais famoso desses locais e um dos mais fascinantes.
A dedicação de Onoda, bem como uma crença fanática na eventual vitória dos japoneses, o levaram a passar por algumas das condições mais difíceis que se possa imaginar, mas também o levaram a assassinar vários civis inocentes muito tempo depois que a guerra terminou.
Hiroo Onoda se tornou um exemplo de lealdade, orgulho, determinação e comprometimento, mas também nos mostrou com uma visão idealista e um pouco de ilusão podem mudar uma pessoa — tanto para o bem quanto para o mal.