O macarrão é um dos alimentos mais acessíveis do mundo, sendo extretamente popular e barato, o prato apresenta versões exclusivas em vários países diferentes. Na Alemanha e Hungria, existe o spaetzle. Na Grécia, o orzo. Os japoneses adoram o udon, que no verão é consumido gelado, mergulhado em um molho.
A verdade é que sempre que pensamos em macarrão, acreditamos que ele tenha sido criado na China, com Marco Polo trazendo esta delícia para a Itália. Inclusive, já rolou outra matéria aqui no site falando sobre isso. Porém, a real origem deste alimento é um pouco mais complexa.
E relaxem, não vou mandar um “é verdade este bilhete”apenas por ser descendente de italianos, eu vou usar fatos históricos mesmo! Um alerta final: essa matéria provavelmente vai abrir o seu apetite (com certeza abriu o meu).
Origem das Massas
Esse debate é muito antigo, inúmeras teorias já foram apresentadas, e algumas são bem exageradas. Se levarmos em consideração que as massas são uma combinação de farinha, água e, às vezes ovos, veremos que elas estão presentes no mundo inteiro há muito tempo.
Diversos escritores italianos argumentaram que uma tumba do século IV a.C. possuía um uma espécie de equipamento para fazer massas, sugerindo que o prato já era apreciado na Itália pré-romana. Mas este fato foi contestado por historiadores de comida, que ressaltaram que as referências na era romana a qualquer coisa semelhante às massas são escassas.
Outros historiadores observaram vários marcos lexicais relevantas às massas que possuem as mesmas características básicas. Nas obras do médico grego Galen do século II d.C. mencionam o itrion, um composto homogêneo feito de farinha e água. O Talmude de Jerusalém registra que o itrium, uma espécie de massa cozida, era comum na Palestina dos séculos III a V a.C. Um dicionário compilado pelo médico e lexicógrafo árabe do século IX Isho bar Ali fala do itriyya, um alimento em formato de cordas, feito com sêmola e que era deixado para secar antes de ser preparado.
Além disso, existem relatos desde o século I d.C. sobre um prato conhecido como lagnum, que consistia em folhas finas de massa de uma massa frita que faziam parte da alimentação diária. Um livro de receitas do século V, também fala das lagana (o plural de lagnum), como um prato feito com camadas de massa que eram recheadas com carne, ou seja, um ancestral bem distante da lasanha moderna. Porém, o método de cozinhar essas folhas de massa não corresponde à nossa definição moderna de um produto de massa fresca ou seca, entãon talvez a única ligação aqui sejam os ingredientes básicos e o formato.
Itrion, itrium, itriyya
Levando em consideração as descrições dos pratos acima, a versão mais aceita pelos historiadores seria do alimento árabe, que foi levado para a Sicília no Século IX d.C., quando eles conquistaram a maior ilha italiana. Porém, o prato provavelmente se estabeleceu na Itália como resultado do extenso comércio no Mediterrâneo na Idade Média. Nesta época, a Sicília tornou-se o centro mais importante do comércio e exportação de macarrão. Os navegadores genoveses transportavam o produto para importantes portos de comércio, como Nápoles, Roma, Piombino e Viareggio.
As primeiras informações concretas sobre massas alimentícias na Itália datam do século XIII ou XIV, e em 1279 (16 anos antes do retorno de Marco Polo), foi registrada uma cesta de massas no inventário de bens de um soldado genovês chamado Ponzio Bastione. A palavra usada na descrição é macaronis, que seria derivada do verbo maccari, parte de um antigo dialeto da Sicília, cujo o significado é achatar. E o verbo, por sua vez, derivava do termo grego makar, que quer dizer sagrado.
Mas e Marco Polo?
O famoso mito de que as massas foram trazidas da China para a Itália apareceu pela primeira vez no Macaroni Journal, publicado por uma associação de indústrias de alimentos com o objetivo de promover as massas nos Estados Unidos, e surgiu de uma má interpretação de uma passagem famosa nas Viagens de Polo. Nela, Polo menciona uma árvore da qual algo como macarrão é feito. A planta provavelmente era a palmeira sagu, que produz um alimento rico em amido que mesmo sendo parecido, não é macarrão. Essa comida provavelmente deve ter lembrado o viajante veneziano das massas de seu país de origem.
Achou que eu iria falar só da origem? De jeito nenhum! Este é o MegaCurioso e ainda temos mais curiosidades para compartilhar!
Macarrão na Literatura
O macarrão ficou tão popular entre os italianos que chegou até a ser mencionado no século XIV pelo famoso escritor Giovanni Boccaccio. Em sua coleção de contos, O Decamerão, ele apresenta uma fantasia de abrir qualquer apetite sobre uma montanha de queijo parmesão, pela qual chefs rolam macarronis e raviólis para os glutões que aguardam ansiosamente.
Em 1390, Franco Sacchetti, outro poeta e escritor de contos, também conta como dois amigos se encontram para comer macarrão. Os dois comem do mesmo prato, como era costume na época, mas um deles tem mais apetite do que o outro. Noddo, um dos rapazes, é um comilão que vai empilhando todo o macarrão no seu lado do prato, mandando seis garfadas enquanto o outro amigo, Giovanni, ainda estava na sua primeira, esperando a comida esfriar um pouco.
Mas qual era o sabor desse macarrão que Nodo comeu com tanto gosto, mesmo com o risco de queimar a língua? Durante o período da Idade Média, até o início do século XVI, as massas eram consumidas de uma forma totalmente diferente da atualidade. Elas eram cozidas por mais tempo, não existia a preferência moderna por massas al dente. Além disso, eles ainda não descoberto o tomate, então as massas eram misturadas com ingredientes que seriam surpreendentes hoje em dia, combinando sabores doces, salgados e picantes.
Um prato para gente rica…
No começo, as massas eram consideradas um alimento para os ricos, ocupando lugar de destaque nos banquetes aristocráticos durante o Renascimento. Por exemplo, Bartolomeo Scappi, um chef papal de meados do século XVI, criou um terceiro prato para um banquete que era composto por frango cozido acompanhado de ravioli recheado com uma pasta feita de barriga de porco cozida, úbere de vaca, porco assado, queijo parmesão, queijo fresco, açúcar, ervas, especiarias e passas (não falei que eles misturavam com coisas que seriam surpreendentes, hoje?).
A receita do chef para o maccheroni alla romanesca era igualmente elaborada. A massa era uma composição de farinha e farelos de pão, misturada com leite de cabra e gema de ovo, achatada até parecer uma folha, e então era cortada em tiras finas. Depois de secar, o macarrão era cozido por meia hora, coado e coberto com queijo ralado, fatias de manteiga, açúcar, canela e pedaços de provatura, uma variante romana do queijo mussarela. Finalmente, o prato ela levado ao forno por meia hora com um pouco de água de rosas para que o queijo derretesse, enquanto a massa incorporava o sabor dos temperos. Não e nenhuma surpresa que outro autor do século XVI, Giulio Cesare Croce, tenha colocado esta iguaria em sua lista de “pratos de engorda”.
Que virou para todos!
Em Nápoles, no final do século XVII, as massas passaram a se tornar o principal alimento da dieta da plebe. Tanto que a partir de 1700, os napolitanos foram apelidados de mangiamaccheroni (comedores de macarrão). Várias explicações foram apresentadas para tal fato, uma delas era a deterioração do padrão de vida dos plebeus, que limitava significativamente o acesso à carne, enquanto os grandes proprietários de terras no Reino de Nápoles ou na Sicília vendiam trigo a um preço relativamente barato.
Outro ponto importante foram os costumes religiosos, que tornavam a massa o alimental ideal na época em que era proibido consumir carne. Mas talvez o principal motivo para a dramática disseminação deste alimento tenha sido sua produção industrial a partir do século XVII, com o desenvolvimento de máquinas como o torchio, uma prensa mecânica para fazer macarrão ou aletria.
Com o aumento do consumo, as massas passaram a ser associadas com os lazzaroni (mendigos), surgindo até um ditado que dizia: Quando um lazzarone reúne quatro ou cinco moedas para comer macaroni naquele dia, ele deixa de se preocupar com o amanhã e para de trabalhar.
Mas é lógico que essa popularização não impediu que as massas continuassem a ser um prato favorito das classes altas, com o Rei Fernando IV de Napóles sendo um grande apreciador do alimento, comendo com tanto gosto que não usava nem talheres para isso.
Mudanças no sabor
Com o tempo, as receitas foram mudando drasticamente, até chegarem ao estilo que conhecemos hoje. Uma das alterações mais drásticas foram os temperos adicionados às massas. O doce foi substituído pelo salgado quando passaram a usar vegetais no lugar de açúcar, o que também aumentou o nível nutricional dos pratos. E os tomates, que atualmente são amplamente associados com macarrão, só foram introduzidos no início do século XIX. Uma curiosidade engraçada é que os italianos o evitaram por muito tempo, por considerarem a fruta exótica demais. Na verdade, a primeira receita que mais se assemlha ao nosso prato de macarrão mais comum só apareceu em 1844: o espaguete com molho de tomate.
Uma fábrica antiga de macarrão
O cientista francês Paul-Jacques Malouin foi o responsável por levar o comércio da aletria para Paris. E com isso, também importou as técnicas de produção industrial que tinha visto em Nápoles para a capital francesa, incluindo a amassadeira e uma espécie de prensa de parafuso para macarrão.
Nesta gravura do livro publicado por Malouin em 1767, podemos ver um operador sentado em uma barra (A) se movendo para cima e para baixo para amassar a massa (B). Este processo levava duas horas para ser finalizado. Depois de amassado, o preparo era colocado em um cilindro comprimido por um parafuso (C). A prensa era girada usando um sistema de alavancas e cabos movidos por outra pessoa (D). E finalmente, os fios de macarrão saíam na parte mais baixa (E).