Antes elogiado, Japão agora é alvo de críticas por não impor ações mais duras contra covid-19 e acusações de não realizar testes em massa
Apesar de identificar os primeiros casos de covid-19 ainda no fim de janeiro, o Japão não foi imediatamente tão atingido quanto a Europa e os Estados Unidos. Mas, desde o fim de março, o país passou a bater recordes diários de infecções, o que levou à declaração de estado de emergência nacional de 16 de abril a 6 de maio. O pior já passou ou está por vir? Três meses após os primeiros casos, esta é a pergunta que ronda o arquipélago, que já atravessa uma segunda onda de contágio do novo coronavírus.
Até 25 de abril, o país registrou 13.231 infecções e 360 mortes, segundo os últimos dados da Universidade Johns Hopkins (EUA). É um número relativamente baixo, se comparado à França (125 mil casos e 22 mil mortes) ou ao Brasil (59 mil casos e 4 mil mortes).
Ao mesmo tempo, é um número alto na curva japonesa, ainda ascendente e acelerada, marcada por picos de novos casos por dia (1.161 em 17 de abril, por exemplo). Após pressões de políticos, especialistas e imprensa, a alta de casos levou o primeiro-ministro Shinzo Abe a declarar estado de emergência em sete províncias, em 7 de abril. A medida foi estendida para todo o país em 16 de abril.
Ao contrário de outros países, o dispositivo não prevê diretrizes rigorosas de lockdown (confinamento), mas permite às autoridades propor orientações como a suspensão temporária de atividades de colégios, bares, cassinos, lojas e parques, além de pedir à população para evitar viagens e saídas desnecessárias de casa. Mais brando, o isolamento japonês não é imposto por lei e não prevê punições para quem descumpri-lo.
A meta do governo é de 80% de distanciamento social para conter novas infecções, principalmente durante a “Golden Week”, o feriado prolongado entre 29 de abril e 6 de maio. A fim de sensibilizar a população a respeitar as recomendações e ficar em casa, Tóquio apelidou o período de “stay-at-home week” (semana ficar em casa).
Do Diamond Princess ao Costa Atlantica
Primeiramente elogiado por conter o avanço do coronavírus, o Japão depois se tornou alvo de críticas por não impor ações mais duras para frear a transmissão e acusações de deliberadamente não realizar testes massivos para manter os números oficiais baixos, a fim de proteger o mercado e tentar sustentar a realização da Olimpíada de 2020, agora remarcada para 2021.
Enquanto a Coreia do Sul – país de 51 milhões de habitantes – fez mais de 520 mil exames até 14 de abril e conseguiu achatar a curva de contágio, o Japão – 127 milhões de habitantes – chegou à marca de 100 mil exames por volta de 20 de abril.
Em 16 de janeiro foi confirmado o primeiro caso no país: um japonês de 30 anos, da província de Kanagawa, que visitara Wuhan, na China, o primeiro epicentro do coronavírus. Treze dias depois foi confirmado o primeiro caso de transmissão interna, isto é, dentro do território japonês.
Da quarentena do Diamond Princess, atracado no porto de Yokohama, ao navio italiano Costa Atlantica, ancorado no porto de Nagasaki, estes são os 10 momentos-chave para compreender a curva japonesa:
- 3 de fevereiro: caso do navio Diamond Princess, no porto de Yokohama, com 3.711 turistas e tripulantes de diversas nacionalidades a bordo, registrou 712 casos e 13 mortes, números não considerados nas estatísticas japonesas: criticada internacionalmente, a tumultuada quarentena que durou até o fim de fevereiro sinalizou os primeiros temores de difusão mundial do coronavírus.
- 27 de fevereiro: 214 casos e 4 mortes: o governo pediu o cancelamento de shows e sugeriu a suspensão de aulas (do jardim de infância ao ensino médio) de 2 de março até o fim das férias de primavera, em 1° de abril.
- 1° de março: 256 casos e 6 mortes: após o primeiro alerta de crise, iniciou-se uma corrida aos mercados para estocar itens como máscaras cirúrgicas e papel higiênico.
- 20 de março: 963 casos e 33 mortes: apesar de quase quadruplicar ao longo de 20 dias, o número de casos ainda era baixo diante das situações na Itália e no Irã (já na casa dos milhares), o que instaurou certa impressão de “normalidade” no país, diante da perspectiva de volta às aulas, da reabertura de parques de diversões e da realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
- 24 de março: 1.193 casos e 43 mortes: após o registro de aglomerações em diversas cidades, inclusive uma multidão de 50 mil visitantes para ver a tocha olímpica na estação de Sendai, soou o segundo alerta no país que, junto com o Comitê Olímpico Internacional, anunciou o adiamento da Olimpíada para 2021.
- 2 de abril: 2.495 casos e 62 mortes: diante da escalada de casos, especialistas e políticos passaram a pressionar o governo para declarar estado de emergência; entretanto, o primeiro-ministro negou os pedidos, justificando que a situação ainda estaria “sob controle”.
- 7 de abril: 3.906 casos e 92 mortes: após diversas pressões, o governo declarou estado de emergência a sete províncias (Tóquio, Chiba, Fukuoka, Hyogo, Kanagawa, Osaka e Saitama) até 6 de maio, prorrogou a suspensão das aulas e sinalizou que iria impulsionar testes para até 20 mil por dia.
- 16 de abril: 8.626 casos e 178 mortes: apesar da declaração, o número de novos casos não parou de subir, levando o governo a estender o estado de emergência a todas as regiões do país, intensificando a divulgação de informações e estipulando a meta de 80% de distanciamento social nas grandes cidades.
- 17 de abril: 9.787 casos e 190 mortes: recorde de 1.161 novos diagnósticos em 24h, já levantando discussões sobre a necessidade de prorrogar o estado e emergência.
- 21 de abril: caso do navio Atlantic Coast, no porto de Nagasaki, com 623 tripulantes de diferentes nacionalidades a bordo, até agora registrou 150 casos segundo a NHK: enquanto os números nacionais continuam subindo – 11.135 casos e 263 mortes –, teme-se um novo foco de infecção internacional.
“Golden Week”
Segundo a agência pública NHK, representantes do governo japonês consideram cada vez mais provável que o atual estado de emergência, válido até 6 de maio, seja prolongado. Para especialistas, as infecções não estão rescindindo como esperado.
Tóquio, por exemplo, reduziu relativamente o número diário de novas infecções, mas o índice ainda é alto: no domingo 26, foram confirmados 72 novos casos, a primeira vez nos últimos 13 dias que há menos de 100 diagnósticos por dia na capital.
Às vésperas da “Golden Week”, há duas apostas em jogo: de um lado, que todos fiquem em casa, ajudando a achatar a curva; de outro, que muitos queiram aproveitar o esperado feriado para passear, o que pode provocar novos focos de infecções. Os próximos dias devem definir os rumos políticos no controle do coronavírus no país.