Na hierarquia classista do Japão feudal, os samurais estavam no topo. Porém, mesmo com a posição privilegiada, não era fácil pagar o preço da honra, que era exigido para essa classe de guerreiros.
Para um samurai, a bravura e fidelidade ao líder (xogum) era essencial. Tanto que, como forma de demonstrarem lealdade aos senhores, eles seguiam até um código de ética e conduta chamado Bushido, que significa “o modo do guerreiro”.
Como parte desse código, estava um ritual sombrio, chamado Seppuku, que consistia em um suicídio de uma forma muito dolorosa: o esventramento. Em outras palavras – o corajoso samurai abria o seu próprio ventre e extraía os órgãos internos até a morte. E por incrível que pareça, a prática começou a se popularizar na classe guerreira durante o século 12.
Mas por quê cometiam o Seppuku?
Se um samurai fosse desonrado de alguma forma, ele deveria cometer o Seppuku como forma de protesto. Isto também acontecia com as mulheres que eram guerreiras, mas o ritual delas era chamado jigai e em vez da barriga, era cortada a garganta. Só que os atos mais antigos da prática foram cometidos por homens – os japoneses Minamoto Tametomo e Minamoto Yorimasa.
Muitas vezes, o ritual acontecia após uma derrota em batalhas sangrentas. Sem ter para onde correr, alguns samurais se matavam ritualisticamente para evitar uma inevitável captura por parte de seus inimigos.
O Seppuku também começou a ser praticado por guerreiros que haviam cometido crimes e se puniam com o ato de autoflagelação. Mesmo assim, o ritual ainda era uma forma honrosa e símbolo de coragem na etiqueta feudal.
Os combatentes acreditavam que o espírito humano ficava no estômago, logo, abrir o ventre era um modo de morrer muito digno. E não apenas isso, como também era um privilégio: o ritual era reservado apenas para os samurais.
Pessoas comuns se enforcavam ou se afogavam, enquanto que abrir o ventre era algo que só os guerreiros podiam fazer. Ao mesmo tempo, o sacrifício era modo de se redimir com a sociedade ou manter a reputação para o suicida e para a sua família.
Preparação
No caso do guerreiro ser preso em uma batalha, o soldado se suicidava o mais rápido possível, então não havia nenhum preparo anterior. No entanto, se o samurai que pretendia praticar o Seppuku cometesse um roubo ou estupro, primeiro se declarava culpado para o xogum, o senhor de terras feudal. Normalmente, o mestre aceitava o depoimento e o considerava culpado.
Em seguida, o guerreiro escolhia um assistente para o ritual, chamado “kaishakunin”. Depois, o suicida se dirigia até um aposento decorado especialmente para a ocasião. Ali, ele passava seus últimos dias se preparando para o fim de sua existência.
No último dia de sua vida, o guerreiro tomava banho e vestia um quimono branco. Ele tinha o direito de comer sua comida favorita, enquanto sentava sobre uma placa de madeira, chamada “sanbo”. Antes de consumir o alimento, tomava ainda duas doses de saquê em goles rápidos.
O suicida também recebia um papel, uma pena e uma espada curta, chamada “tanto”, embrulhada em papel. Escrevia então um poema (jinsei), onde eternizaria seus últimos pensamentos com um padrão fixo de rimas.
Em 1696, inclusive, o samurai Gesshu Soko, que morreu com o Seppuku, escreveu sua poesia, que dizia: “Inale, exale/ Para a frente, para trás/ Vivendo, morrendo/ Agora, volto para minha fonte”.
Hora da morte
A morte chegava no fim da tarde, conforme o Sol já caía. O samurai saía de seu aposento especial e passava por um corredor. Ele caminhava lentamente, de cabeça erguida, e era observado por outros colegas guerreiros.
O suicida chegava até uma tenda no meio de um jardim. Ou, em algumas ocasiões, dirigia-se até um templo budista. Uma vez dentro do local, o suicida se sentava em uma almofada ou tatame, e começava a girar a sua espada no ar.
Iniciava o sacrifício, propriamente dito, abrindo o abdômen, da esquerda a para a direita, para os intestinos caírem sobre uma almofada. Por último, esticava o pescoço para que o assistente ritualístico o poupasse de sofrer. Se ainda não estivesse morto, o assistente aplicava um golpe na garganta do suicida para terminar sua agonia.
O último adeus
Após a morte, o poema escrito pelo falecido passava a ser guardado por seu xogum em um acervo. O cadáver normalmente era cremado e suas cinzas eram enterradas com honras militares. A faca do suicídio era jogada fora, pois acreditava-se que ela estaria contaminada pela morte.
De modo similar, o local onde morrera o guerreiro também não era considerado limpo. Então era lavado para que ficasse pronto para o próximo ritual. Assim várias cerimônias ocorriam repetidamente, com inúmeros samurais.
Até que o Seppuku foi se extinguindo no fim do século 19. Só que, nessa época, vez ou outra, a prática ainda ocorria. Além disso, no século 20, o general japonês Nogi Maresuke se matou por meio do rito para honrar o Imperador Meiji.
Em 1970, o escritor que concorreu a três prêmios Nobel de literatura, Yukio Mishima, se matou com o Seppuku. O suicídio ocorreu após ele participar de uma tentativa de golpe de estado no Japão.
O escritor foi com vários seguidores a um edifício militar em Tóquio e rendeu o comandante do quartel general das Forças de Autodefesa japonesas. Lá, de uma sacada, fez um breve discurso para cerca de mil militares reunidos, no qual pediu que derrubassem a constituição. Os soldados não concordaram e como forma de protesto, Mishima se entregou ao sacrifício ritualístico.