Eu sou neto de um japonês, Sadao Tada, lavrador que nasceu em Hokkaido e chegou ao Brasil em 30 de Julho de 1927, com 15 anos. Aqui ele se casou com minha avó, Mine Oyama, que chegou ao Brasil em 24 de Junho de 1930, aos 12 anos de idade. Infelizmente, convivi pouco com ambos, mas isso é algo natural, pois sou o filho mais novo do oitavo filho deles. Mesmo assim, carrego uma carga enorme de carinho e admiração pela história que me trouxe até aqui, que compõe aquilo que sou e da qual me orgulho muito. Por conta desse sentimento de orgulho que quero dividir um pouco do que sei sobre eles, os japoneses, e sobre nós, seus descendentes.
Na imaginação popular, o starter pack para ser japonês no Brasil é ter um Corolla, tirar nota boa em matemática, assistir mangá, e viver à base de sushi e yakissoba. Os mais velhos são agricultores e feirantes. Os mais novos, no caso dos homens, devem ser médicos, dentistas ou engenheiros. No caso das mulheres, devem ser médicas, dentistas ou engenheiras também, só que mais silenciosas, e, eventualmente podem trocar o Corolla por outro carro japonês menor, ou, em último caso até por um carro coreano.
Essa imagem que se tem sobre os japoneses no Brasil é muito ilusória e um tanto engraçada. Engraçada, obviamente, porque em geral não gera sofrimento. Os pré-conceitos que se formaram sobre os japoneses e seus descendentes no Brasil são imagens de correção e confiança. E, por mais que seja complicado pra mim pensar a partir do meu local de privilégio, sei que esses “preconceitos positivos” são parte da estrutura racista e classista que está na base da sociedade brasileira, e isso não é bom para ninguém.
Os japoneses no Brasil tiveram suas oportunidades específicas dentro de momentos históricos específicos, que resultaram em condições de prática e desenvolvimento de sua cultura e valores de modo positivo. Simplesmente não é justo que se compare a jornada dos japoneses com qualquer outro povo que migrou para Brasil. Esse senso de desequilíbrio de oportunidades pode ser conhecido por todos, mas deve ser algo muito evidente na mente de todos os descendentes de japoneses, que não devem aproveitar de seus privilégios apenas para gozar de uma vida mais confortável, mas sim para construir uma sociedade mais justa em sua casa de fato, o Brasil.
Não foi fácil, isso eu posso te garantir. Nunca se esqueça que os japoneses que vieram para o Brasil antes de 1942, simplesmente descobriram um dia que seu país de origem era inimigo de guerra do país em que passaram a viver. Em 1945, enquanto o Brasil comemorava o fim da guerra, os japoneses que aqui viviam estavam apreensivos, sem saber se seus familiares que ficaram no Japão estavam vivos ou não. Guerra faz mal para todo mundo.
Hoje é dia de nós, descendentes de japoneses, prestarmos homenagens aos nossos antepassados que nos trouxeram até aqui. A melhor forma de fazermos isso é lutando para melhorar ainda mais a sociedade na qual vivemos, cooperando na causa anti-racista, contra toda forma de discriminação por classe, gênero e sexualidade, resistindo contra os preocupantes levantes fascistas em nosso país.
Somos todos humanos. Diferentes, sim, mas muito muito parecidos. Animais com emoções complicadas. E, afinal de contas, não somos todos mestiços?! Os únicos diferentes são aqueles que se pensam superiores, que não se importam com a dor alheia, e que discriminam a partir do ódio que lhes toma o coração. Esses são diferentes: eles são desumanos.