Como todos sabemos, a tensão e animosidade entre Japão e Coreia do Norte tem aumentado nos últimos tempos, especialmente como os recentes lançamentos de mísseis norte-coreanos em direção ao país nipônico. Por outro lado, no Japão, vivem cerca de 500 mil coreanos, sendo a segunda maior comunidade estrangeira no país, atrás somente dos chineses.
No início do século 20, milhares de coreanos foram trazidos à força para o Japão para trabalharem no exército e no das mulheres, para servirem de “mulheres de conforto”, um eufemismo para escravas sexuais. Após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, muitos retornaram à península coreana, enquanto outros, resolveram permanecer no Japão.
Com a divisão da península em Norte e Sul, seguida pela devastadora Guerra da Coréia de 1950-53, a comunidade coreana que vivia no Japão também ficou dividida. Uma parcela da comunidade coreana tornou-se fiel ao recém formado regime norte-coreano, que por sua vez financiou a abertura de escolas no Japão para atender as crianças dessa comunidade.
Apesar de terem nascidos no Japão e falarem japonês desde o nascimento, essas crianças não são cidadãos japoneses. Além disso, parte dessa comunidade coreana desenvolveu e mantem até hoje uma conexão com a Coréia do Norte, apesar de nunca terem morado lá.
Atualmente existem 60 escolas norte-coreanas ou “pró-Pyongyang” no Japão. No entanto, as sucessivas ameaças da Coreia do Norte sobre o Japão tem afetado a vida cotidiana dessa comunidade. Desde 2006, quando a Coreia do Norte realizou seu primeiro teste nuclear, o financiamento público para as escolas coreanas no Japão foi reduzido em 80%.
Além disso, as crianças que estudam nessas escolas tem enfrentado hostilidade em seu país de nascimento porque não são etnicamente japonesas. Segundo o diretor de uma dessas escolas, Shin Gil-Ung, “Sempre que uma ameça de Kim jong un vem a público, recebemos chamadas anônimas ameaçando bombardear a escola ou matar estudantes em uma estação próxima“.
“Com medo de retaliações, muitos estudantes pararam de usar o uniforme da escola e roupas típicas do país”, diz Shin. Se antes já havia discriminação em áreas como emprego e bem-estar social, com o programa nuclear da Coréia do Norte, a situação piorou ainda mais.
Nas escolas norte-coreanas no Japão, os alunos aprendem a língua coreana e a história sob a orientação da Associação Geral de Residentes Coreanos no Japão, que atua como uma espécie de embaixada norte-coreana no Japão na ausência de relações diplomáticas formais.
Por não serem considerados japoneses e com o intuito que seus filhos aprendam a língua e a história coreanas, muitos pais de ascendência sul ou norte-coreana optam em coloca-los em uma escola “pró-Pyongyang”, acreditando ser essa a melhor e única opção.
Apesar de alguns professores simpatizarem com a Coréia do Norte, o ensino ideológico no currículo escolar nessas instituições no Japão foi reduzido ao longo dos anos e uma versão relativamente neutra da língua e da história coreanas é ensinada – apesar dos retratos de Kim Il-Sung e Kim Jong-Il estarem sempre presentes nas salas de aula.
Além disso, para muitas crianças não existe o Norte ou Sul. Se definem como coreanos, apenas. Como nasceram no Japão e nunca foram para a Coreia do Norte, os estudantes dizem ter “sentimentos mistos” em relação às notícias de tensão entre os dois países.
Ri Chun-Hui, advogado de Tóquio, disse que a raiva dirigida a sua comunidade como resultado das provocações de Pyongyang não é novidade. Segundo ele, uma reação semelhante surgiu após o sequestro de cidadãos japoneses por agentes norte-coreanos no final dos anos 1970.
“Os coreanos já foram considerados vítimas da colonização japonesa, mas agora somos tratados como se fossemos todos autores dos sequestros“, disse Ri.
Apesar de viverem no Japão, esta comunidade não quer renunciar a sua identidade, pois isso faz parte de suas origens. Além disso, sem muito apoio financeiro por parte das prefeituras japonesas, as escolas tem precisado ainda mais de apoio vindo de Pyongyang, que sobretudo também oferece-lhes uma identidade, uma herança e uma legitimidade cultural.
A Vox Borders produziu um documentário intitulado “Inside North Korea’s bubble in Japan”, ou seja, “Dentro da bolha da Coréia do Norte no Japão”. Johnny Harris e Tian Wang visitaram uma escola norte-coreana em Tóquio e trouxeram um olhar interessante e muitas vezes desconhecida sobre o assunto. Vale muito a pena conferir o documentário!
https://youtu.be/qBfyIQbxXPs