Se você já deu uma navegada por aí em busca de animes deve ter se deparado com várias páginas que oferecem uma vasta coleção de desenhos e quadrinhos japoneses. Muitos deles são compartilhados ilegalmente, via streaming em servidores remotos ou locais e principalmente por download peer-to-peer, com o uso de torrents.
A maior parte do conteúdo é protegido por leis de direito autoral, que constantemente vêm se atualizando para comportar os diferentes casos de violação nas plataformas em evolução — e em cada país temos particularidades sobre copyright. Eis que um episódio envolvendo o serviço Crunchyroll tem movimentado a comunidade de fãs na web e despertado mais questões sobre esse assunto polêmico.
Entenda o caso
Como muitos sabem, várias das séries orientais famosas por aqui se popularizaram justamente devido ao mercado paralelo de DVDs e à distribuição ilegal via sites, que em sua grande maioria são gratuitos e monetizam suas páginas com a impressão de banners de publicidade.
Com a chegada de serviços gigantes, a exemplo da Netflix e da Amazon, os direitos autorais que passavam às “vistas grossas” por aqui passaram a ser requeridos pelos atuais donos de exibição na região. É o caso do Crunchyroll que possui um extenso portfólio de exibição de animes, inclusive no Brasil. A plataforma tem uma versão que funciona com anúncios e outro modelo pago, como uma assinatura de outros semelhantes do setor.
“Mas por que os donos de sites estão reclamando sendo que eles estavam exibindo esse conteúdo ilegalmente?”, perguntaria você. Bem, muitas páginas agora estão fora do ar ou redirecionam seus canais para o Crunchyroll. Os proprietários dos domínios afetados acusam a empresa de ter “dado um jeitinho” de obter seus dados pessoais para coagi-los. Outra reclamação seria de que as leis de Direitos Autorais no Brasil permitem que sites exibam conteúdo que outras pessoas detém os direitos legais.
Posicionamento oficial do Crunchyroll
Yuri Petnys, gerente de conteúdo do Crunchyroll, para saber se houve alguma ação ilegal para obtenção dos dados dos administradores ou algo semelhante às acusações dos donos dos sites.
Em resposta, Petnys afirmou que “todas as medidas tomadas estão dentro da legislação brasileira” e que sua equipe “possui experiência no combate à pirataria e atua em diversos países do mundo”. Ele também disse que não está ciente de nenhum “plano nacional de combate à pirataria” e destacou um texto sobre o assunto:
“Somos uma marca de anime (…) com mais de 45 milhões de usuários, mais de mil títulos licenciados no mundo todo, e com grandes parceiros de licenciamento no Japão. Como parte do nosso comprometimento com esses parceiros, temos a obrigação de proteger a integridade das propriedades intelectuais deles — e combater a pirataria é uma importante faceta desse dever. Temos uma equipe que trabalha em diversos países, identificando e agindo contra sites e mercadorias que falsamente representam a propriedade intelectual dos nossos parceiros (assim como acontece o mesmo com outras categorias de entretenimento, como esportes, filmes e música).”
Especialista em direito digital tira as dúvidas sobre o caso
Para falar sobre o assunto, conversamos com o especialista em direito digital Maurício Tamer, do escritório de advocacia Opice Blum. Em primeiro lugar, ele esclareceu como funciona quando algum endereço distribui conteúdo protegido sob direitos autorais.
“Qualquer reprodução de conteúdo intelectual protegido com direitos autorais precisa de licenciamento. Acontece que não há uma fiscalização direta. Então, se o dono não questionar, as coisas ficam normalmente da mesma forma como estão.” Ou seja, nesse caso, o Crunchyroll, que é quem pagou o licenciamento, tem o direito de pedir para que as páginas parem de reproduzir o material.
A maior bronca dos proprietários dos sites fica por conta de uma possível coação feita pela equipe do Crunchyroll, que teria ameaçado acioná-los judicialmente caso não retirassem o material do ar. O que incomodou de verdade essas pessoas foi o fato da empresa ter conseguido seus dados pessoais, mesmo quando no registro dos domínios os mesmos estivessem anônimos.
“Se o dono do domínio tem seus dados anonimizados, essa informação não é pública. Para qualquer medida judicial, a empresa teria que justificar como ela conseguiu os nomes dessas pessoas. E se foi de um jeito ilegal, ela não conseguiria levar essa ação em frente, a princípio.”
Muitas das reclamações dos blogueiros, por exemplo, citam o fato de eles não estarem utilizando uma plataforma paga para concorrer. “Mas, a partir do momento que você está disponibilizando algo que não está licenciado, mesmo de forma indireta, está infringindo a lei. Você pode até não estar lucrando com assinantes, mas de repente está imprimindo banners ou conseguindo registro de usuários, monetizando a página — tudo isso usando o conteúdo protegido.”
Outras duas questões têm a mesma resposta: no caso dos sites que só linkam ou sequer possuem banners ou qualquer tipo de registro e monetização; e no contexto em que donos de domínios dizem que foram obrigados a derrubar conteúdos que não necessariamente estão no portfólio do Crunchyroll. “Bem, isso configura uma concorrência indireta, porque mesmo que o produto não seja o mesmo, trata-se de um tema da mesma natureza para uma audiência semelhante.”