O primeiro kamikaze, o piloto japonês que estatelou seu avião sobre um alvo inimigo atacou a nau capitânea australiana, o cruzador Australia, em 21 de outubro de 1944. Guerreiros suicidas não eram novidade. No ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, que marcou a entrada dos EUA na 2ª Guerra, o tenente Fusata Iida, depois de ser atingido, mirou seu caça em um alvo no solo. Mas aquilo era diferente. Havia um esquadrão suicida em funcionamento.
A ideia foi do contra-almirante Takashiro Ohnishi, para quem a forma mais efetiva de causar danos ao inimigo era usar aviões carregados de bombas diretamente nos navios. O sucesso das primeiras missões levou o Japão a desenvolver o ohka (“flor de cerejeira”), aviãozinho em forma de bomba, com 1 tonelada de explosivos no nariz. Os americanos davam a ela outro nome: baka, “louco” em japonês. O preço era a vida do piloto.
Após quase quatro horas no ar, a pequena esquadrilha de cinco Mitsubishi A6M Zero avistou navios norte-americanos próximos à Ilha de Samar, nas Filipinas. Pelo rádio, o tenente Yukio Seki anunciou aos oficiais em terra: “Melhor morrer que viver como um covarde”. Os aviões se dividiram em direção aos navios, descendo a até poucos metros acima do mar para evitar o fogo antiaéreo.
Seki e outro piloto tentaram um ataque ao porta-aviões USS White Plains. Atingidos, o parceiro caiu no mar e o líder saiu soltando fumaça, desviando rumo ao USS St. Lo, outro porta-aviões.
Eram 10h47 de 25 de outubro de 1944 quando o avião de Seki se desintegrou no convés do St. Lo. O caos tomou conta: uma série de explosões estremeceu o navio de 156 m. Os feridos foram primeiro baixados com cordas ao mar, depois simplesmente atirados do convés. Em 30 minutos, o incêndio atingiu o paiol principal e o porta-aviões sofreu uma explosão catastrófica, indo a pique. Ao preço de um piloto japonês, morreram 140 norte-americanos.
Nem pelo Japão, nem pelo Imperador
Nove dias antes, o vice-almirante Takijiro Onishi, velho aviador naval que havia se oposto ao ataque a Pearl Harbor, convocou uma reunião de oficiais. Como comandante da Primeira Frota Aérea da Marinha Imperial Japonesa, anunciou seus planos de defesa: “Só existe uma forma como nossa força minúscula será eficiente num grau máximo. É organizar unidades de ataque suicida compostas de caças A6M Zero armados com bombas de 250 kg, com cada avião devendo colidir num mergulho contra um porta-aviões inimigo… O que vocês acham?”
Os militares conheciam bem a gravidade da situação. Na Batalha do Mar das Filipinas pela posse das Ilhas Marianas, em apenas dois dias, 19 e 20 de junho de 1944, os japoneses perderam cerca de 600 aviões, num episódio que ficou conhecido entre os pilotos americanos pelo sarcástico título de Great Marianas Turkey Shoot, a “Grande Caçada ao Peru das Marianas”. Quando os japoneses começaram a guerra em Pearl Harbor, em dezembro de 1941, os Mitsubishi AM6 Zero eram um grande desafio aos norte-americanos, por serem mais ágeis e manobráveis.
A introdução do F6F Hellcat, em 1943, muito superior ao Zero ou qualquer outro avião japonês, além do uso de radar, novidades táticas e simples vantagem numérica, fruto de uma indústria intacta, destruíram qualquer chance de os japoneses disputarem o domínio aéreo dos EUA. Na Batalha de Formosa, entre 10 e 20 de outubro de 1944, os japoneses perderam mais 500 aviões. “Quando Onishi chegou às Filipinas, descobriu que tinha menos de 100 aviões operacionais”, afirma David Sears em At War with the Wind.
Sears descreveu o que se passou a seguir na reunião: “Ali estava a oportunidade de apagar a vergonha. Sacrificar um piloto e um avião pela destruição de um navio com uma equipe de 3 mil homens e mais de 50 aviões. Ainda que o estado de espírito entre a plateia de Onishi provavelmente variasse entre entusiasmo feroz, resignação estoica e puro terror, os que finalmente falaram pediram para organizar as forças eles mesmos”.
Os oficiais fizeram os preparativos, mas nenhum foi voluntário. Coube ao tenente Seki, um instrutor de voo, liderar o primeiro ataque bem-sucedido. Daí a provocação em suas palavras: seus superiores eram os covardes que ficaram vivos.
Não foi a única rebeldia do primeiro kamikaze. O tenente foi entrevistado pelo jornalista Onoda Masahi, em preparação para a avalanche de propaganda oficial que se seguiria. Masahi planejava incluir em seu texto o lado humano dos pilotos, e conseguiu: “Se é uma ordem, eu vou. Mas não irei morrer pelo imperador ou pelo Império Japonês. Vou morrer por minha amada esposa. Se o Japão perder, ela pode acabar estuprada pelos norte-americanos. Estou morrendo por quem mais amo, para protegê-la”, afirmou Seki, que foi além. “O futuro do Japão é sombrio quando se é obrigado a matar um de seus melhores pilotos.”
Obviamente, nada disso foi publicado pela imprensa japonesa. O tenente e o resto de sua esquadrilha ganharam placas comemorativas no santuário de Yasukini, o que os tornava, dentro do xintoísmo oficial do Estado, espíritos guardiães da pátria, semideuses honrados pela visita do imperador duas vezes por ano – assim como todos os outros 3.843 pilotos que se seguiriam a eles.
A cultura da morte
O bushidô, o caminho do samurai, sempre foi um componente importante da cultura japonesa, codificado em clássicos do Período Tokugawa (1603-1867) como Hagakure, de Yamamoto Tsunemono e O Livro dos Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi. Mas seus ensinamentos se destinavam, um tanto obviamente, aos samurais – categoria que foi extinta no início da Era Meiji (1868-1912). Em 1899, o economista, diplomata e escritor Inazo Nitobe lançou, em inglês, Bushido: The Soul of Japan.
Destinado a apresentar o Japão ao mundo, quando traduzido para o japonês tornou-se a maior expressão do novo regime. Nitobe, cristão que havia estudado nos EUA, transformou o que eram ideais de uma classe guerreira na ideologia de um Estado militarista, que assumiria feições claramente fascistas nos anos 20.
É de imaginar que Seki não gostaria de saber que sua imagem destemida, reproduzida em inúmeros artigos de jornal e peças de propaganda, serviria para promover tal ideologia, a senha para o suicídio de milhares de compatriotas. Muitos kamikazes eram adeptos convictos do culto à morte promovido pelo Estado. Mas a relutância irreverente de Seki estava longe de ser raridade.
Em entrevista a AH, em 2008, o sobrevivente Tokio Mao mostrou suas próprias razões: “Não, nada de glória ao imperador. Era acabar com a guerra. E ter uma morte com honra!” Os diários desses pilotos, mais vítimas que algozes do Império, revela personalidades muito mais complexas, perturbadas pela ideia de morte. Alguns eram inimigos declarados do sistema político do Japão.
A imagem dos kamikazes no Ocidente, um bando de fanáticos se matando pelo seu deus-imperador, que frequentemente é comparada aos homens-bomba islâmicos contemporâneos, é fruto de uma “parceria” entre a propaganda japonesa e a imprensa ocidental.
Os japoneses da época recebiam apenas as partes “construtivas” dos relatos kamikazes, geralmente seus testamentos, escritos para serem lidos por autoridades após a morte – que contêm loas ao imperador, ao yamato damashii (o espírito japonês), e poesias de morte mencionando a sakura, a flor de cerejeira, o símbolo nacional cujas pétalas, que caem em poucos dias, significavam a fragilidade da vida do soldado – um sentido em grande parte construído pelo Estado, segundo a antropóloga Emiko Ohnuki-Tierney, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), autora de livros sobre os kamikazes.
Ela rejeita a comparação com os homens-bomba islâmicos. “Os kamikazes eram soldados de uma nação em guerra, não indivíduos. Eram recrutados, não voluntários, que recebiam ordens para morrer. E nunca foram usados contra alvos civis.”
Do outro lado do Pacífico, a imprensa dos EUA trouxe os primeiros relatos dos kamikazes em abril de 1945, após meses de censura pelos militares. Os jornalistas não só inflaram a imagem de fanatismo como, de certa forma, criaram a expressão. O nome das unidades era tokubetsu kõgekitai (unidade de ataque especial), geralmente abreviado para tokkõtai. As unidades da marinha ganhavam o nome de shinpu tokubetsu kõgekitai.
Shinpu quer dizer “vento divino”, as tempestades que salvaram os japoneses da invasão mongol duas vezes, em 1274 e 1281 – a Marinha japonesa acreditava que os pilotos suicidas salvariam o país dos novos mongóis, os norte-americanos, bárbaros sem cultura que acabariam com o país, tornando o sacrifício uma questão mais de morrer antes, de forma gloriosa, que depois, acuado dentro das próprias fronteiras. “Kamikaze” é a leitura em japonês popular dos mesmos ideogramas, que não era usada pelos japoneses, mas pelos militares americanos. A imprensa ocidental tornou o termo tão popular que hoje ele é usado no Japão.
Um passo adiante
A imensa maioria dos kamikazes era formada por estudantes, recrutados de universidades antes do início da ação, principalmente a partir de dezembro de 1943, quando 6 mil foram removidos das salas de aula em apenas três dias. Antes ou depois do início do programa, ninguém era convocado para se suicidar. A posição oficial do governo japonês era que todos os kamikazes eram voluntários.
“A operação tokkõtai era uma garantia de morte e o alto oficialato japonês, hipocritamente, decidiu não torná-la um programa oficial da Marinha ou Exército, onde ordens eram dadas em nome do imperador”, escreveu Emiko em Kamikaze, Cherry Blossoms and Nationalism. Mesmo para quem se voluntariava, a decisão estava longe de ser uma alternativa totalmente livre.
O treinamento era brutal. A tropa apanhava por qualquer motivo. Para “formar o caráter” ou simplesmente por causa da inveja dos sargentos, que consideravam os soldados universitários filhinhos de papai.
Entre as razões para apanhar estava não saber recitar o Decreto Imperial ao Soldado, que terminava com palavras sombrias: “Entendam que a obrigação é mais pesada que as montanhas, mas a morte é mais leve que uma pluma”. Segundo o relato do historiador e sobrevivente Irokawa Daikichi, no Ano-Novo de 1945, ele não conseguiu sentir o gosto do zoni, a sopa de bolinhos de arroz com que os japoneses costumam comemorar a passagem – porque só percebia o gosto de sangue na própria boca. “Batiam em meu rosto tão forte e frequentemente, que meu rosto não era mais reconhecível.”
Finalmente, com o espírito quebrado, chegava o dia de se “voluntariar”. Os soldados eram chamados a uma sala onde ouviam um discurso patriótico sobre o valor de se sacrifícar pelo imperador. Então eram postos de pé e pedia-se aos voluntários para darem um passo a frente. Raramente alguém desafiava as pressões da autoridade, da ideologia martelada em suas mentes desde a infância e a culpa de continuarem vivos enquanto seus companheiros iam para a morte.
O estudante Kenjiro Kuroda se recusou, apenas para ver seu nome publicado na lista de voluntários no dia seguinte, enquanto seu oficial se gabava que todos em sua companhia haviam se candidatado. O cristão Ryu Yamada relatou que foi simplesmente forçado, o que ele considerou um assassinato. E isso não era incomum. “Muitos pilotos kamikazes, tanto no Exército quanto na Marinha, eram apontados como membros de esquadrões suicidas sem sequer ter a chance de se tornarem voluntários. Desses jovens, se esperava que seguissem tais ordens como qualquer outra”, afirma o historiador William Gordon, da Universidade Wesleyan (EUA).
A vida dos mortos
Quando o piloto era designado para um grupo tokkõtai, recebia um breve treinamento específico. Ele devia saber quais partes dos navios atingir, principalmente os porta-aviões, os alvos prioritários. A instrução mais importante era para não fechar os olhos na hora de mergulhar – muitos kamikazes atingiam a água ao ceder ao instinto. Depois disso, eram meses de espera até que chegasse o momento do voo fatal.
Ainda que a propaganda japonesa mostrasse os pilotos sempre serenos e sorridentes em seus momentos finais, a verdade tinha uma face bem mais humana. Os pilotos frequentemente caíam em depressão e lutavam internamente para racionalizar suas decisões.
Quando chegava o dia do voo para a morte, os pilotos ganhavam um brinde de saquê, amarravam a hachimaki (“faixa”) na cabeça, e talvez também o senninbari, um cinto costurado por mil mulheres, cada uma dando um ponto – espécie de amuleto de “corpo fechado” do soldado japonês. Levavam ainda a bandeira japonesa, uma espada e uma pistola – para o caso de falharem e terem de evitar a captura com o suicídio. Se estivesse na época da florada, carregavam ramos de cerejeira. E escreviam poesias, seguindo o exemplo dos samurais condenados a cometer seppuku, o suicídio honroso.
E então decolavam. A maioria pilotava seu próprio Zero, carregado com uma única bomba de 250 kg. Mas foram usados outros modelos de aviões, inclusive bombardeiros com a tripulação completa, além de torpedos tripulados, os kaiten. Nunca era uma viagem tranquila e sem escalas direto para a morte. Assim que detectavam os japoneses no radar, caças norte-americanos partiam dos porta-aviões, mais rápidos, bem armados e em maior número. Os kamikazes até podiam tentar lutar e às vezes contavam com a escolta de caças regulares. Mas, em geral, o melhor que podiam esperar é que o avião resistisse o suficiente para explodir no convés do navio inimigo.
Os japoneses tinham outras cartas. Em 12 de abril de 1945, o destróier Mannert L. Abele estava acompanhado por dois navios de transporte a 130 km a noroeste de Okinawa. Sua função era patrulhar o oceano por radar, justamente para impedir ataques de pilotos kamikazes. No começo da tarde, acabou cercado por aviões japoneses e destruiu quatro que tentaram investir contra ele. Às 14h40, enquanto as baterias estavam distraídas com a última investida kamikaze, um estranho objeto apareceu no céu e mergulhou contra o Mannert, acelerando de forma inimaginável.
Vítimas do sucesso
As baterias antiaéreas simplesmente não conseguiram acompanhar o movimento do bólido, que penetrou na câmara do motor e explodiu, matando a equipe e fazendo o destróier perder o controle de todos os seus sistemas, inclusive o dos armamentos. Um minuto depois, outro objeto idêntico atingiu o navio no casco lateral, partindo-o o em dois e levando ao fundo do oceano a maior parte de sua tripulação.
O Mannert L. Abele foi a primeira vítima do Yokosuka MXY7 Ohka, a tecnologia mais avançada das forças kamikazes. Era uma bomba voadora pilotada, movida a foguete, lançada de bombardeiros Mitsubishi G4M. Podia chegar a 1 040 km/h, levando uma carga explosiva de 1,2 mil kg, quase cinco vezes mais que um kamikaze convencional. O Ohka era impossível de ser interceptado, mas estava longe de ser uma arma milagrosa.
A pesada e frágil “nave-mãe” tinha que chegar perto do alvo, já que o Ohka só tinha autonomia para 36 km de voo. Um piloto tinha mais chances de morrer ainda preso nas asas do bombardeiro ou, pior, ser lançado longe demais do alvo, para um voo curto e inútil rumo à morte solitária no oceano. Assim, apenas três outros navios partilhariam o destino do Mannert L. Abele.
Não que os pilotos de aviões convencionais tivessem uma chance muito melhor. As ações nas Filipinas, quando os Estados Unidos ainda não estavam preparados para os ataques, teve apenas 20,8% de acertos – 41% dos aviões suicidas deram meia-volta por falta de combustível, tempo ruim ou simplesmente por não encontrar o inimigo. Em toda a guerra, 11,6% dos 3,3 mil aviões kamikazes acertaram seus alvos, contra 27,5% que voltaram à base.
Os kamikazes que retornavam sofriam humilhação dos oficiais, com a habitual violência física, até voar para a morte novamente um outro dia – o fato explica o “mistério” por que usavam capacete e por que é absurda a lenda que afirma que eram fechados com solda na cabine do avião.
Durante toda a guerra, 47 navios norte-americanos foram afundados, pela estimativa do historiador William Gordon. Apenas três deles eram porta-aviões, todos de escolta, relativamente pequenos, desprotegidos e desimportantes.
Os efeitos da campanha são bastante discutíveis. “Acredito que os ataques kamikazes fizeram a maioria dos norte-americanos mais determinada a derrotar o Japão. Especialmente durante a Batalha de Okinawa, alguns poucos marinheiros sofreram mentalmente pelos contínuos ataques suicidas contra navios dos EUA, dia após dia, mas quase todo o pessoal da Marinha tinha moral alta para continuar a derrubar aviões japoneses não importasse quantos fossem enviados”, diz Gordon.
A partir de julho de 1945, a intensidade das ações kamikazes diminuiu. Os japoneses começaram a se preparar para a invasão americana, e sua principal arma seriam contra-ataques suicidas. Eles esperavam afundar 400 navios em caso de aproximação – algo não totalmente infundado, já que partiriam de uma distância muito mais próxima, e os últimos modelos do Ohka, movidos a jato em vez de foguete, podiam decolar de terra e tinham maior autonomia.
Mas a invasão nunca ocorreu. Em 26 de julho, os Estados Unidos, Grã-Bretanha e China lançaram a Declaração de Potsdam, ameaçando o Japão de “completa e total destruição” caso não se rendesse. E mostraram o que queriam dizer em 6 de agosto, quando três bombardeiros B-29 cruzaram céus desimpedidos, já que quase todos os aviões japoneses estavam reservados para a ação kamikaze. E assim Hiroshima viveu a maior ação de terror já vista na história. Três dias depois, o mesmo ocorreu em Nagasaki.
Vítima ideal
A campanha kamikaze tornou o Japão a “vítima ideal” para a bomba atômica. “Os americanos não podiam acreditar que os pilotos japoneses se matavam para destruí-los. Isso deu a eles a crença que os inescrutáveis japoneses não se renderiam até o último cair morto, dando a `desculpa¿ para as bombas atômicas, o que é bem documentado”, afirma Emiko Ohnuki-Tierney. “A decisão do presidente Harry Truman de lançar as bombas atômicas me parece adequada por causa das perdas que os japoneses, especialmente por aviões kamikazes e outras armas suicidas, infligiriam aos aliados se tentassem invadir o Japão”, diz Bill Gordon.
Em 15 de agosto, o imperador Hirohito anunciou a rendição. Ao ouvir a notícia, o almirante Matome Ugaki vestiu um uniforme sem insígnias e decolou num Yokosuka D4Y. Pelo rádio, transmitiu seu último recado. “Farei um ataque em Okinawa, onde meus homens caíram como flores de cerejeira. Lá irei colidir meu avião e destruir o inimigo arrogante, no verdadeiro espírito do bushido, com firme convicção e fé na eternidade do Japão Imperial. Confio que os membros de todas as unidades sob meu comando irão superar todas as dificuldades do futuro e prosperar na reconstrução de nossa grande pátria, que ela viva para sempre. Longa vida ao imperador!”
Ugaki foi encontrado no dia seguinte, nos destroços de seu avião numa praia. É provável que o último kamikaze tenha sido abatido sem atingir seu alvo. No dia seguinte, o inventor da operação kamikaze, Takijiro Onishi, cometeu seppuku. Em sua carta de suicídio, pediu desculpas a todos os quase 4 mil japoneses que se mataram em vão.
O último dia
Em 1995, Takeo Kasuga, soldado raso que cumpria funções de manutenção na Base de Tsuchiura durante a guerra, escreveu uma carta descrevendo como era o último dia de uma esquadrilha de kamikazes. Leia alguns trechos:
Na sala em que suas festas de despedida foram realizadas, os jovens estudantes oficiais bebiam saquê na noite antes de seu voo. Alguns bebiam o saquê em um gole, outros continuavam bebendo. O lugar inteiro degenerou-se em caos. Alguns quebraram as lâmpadas com suas espadas. Outros pegaram cadeiras para quebrar as janelas e rasgaram as toalhas brancas das mesas.
Uma mistura de canções militares e xingamentos tomava o ar. Enquanto alguns berravam em fúria, outros choravam alto. Era a última noite de suas vidas. Eles pensavam em seus pais, suas faces e imagens, faces das amadas e seus sorrisos, um triste adeus a suas noivas – tudo passava por suas mentes como uma lanterna num cavalo a galope.
Ainda que supostamente eles devessem sacrificar sua preciosa juventude ao imperador e ao Japão na manhã seguinte, estavam destroçados além do que as palavras podem expressar – alguns enfiando a cabeça na mesa, alguns escrevendo seus testamentos, alguns fechando suas mãos em meditação e outros dançando em frenesi e quebrando vasos.