Renan Eiji Teruya, 27, é o primeiro brasileiro a ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Japão. Fez a prova em 2016, quando havia 6.899 candidatos, e foi um dos 1.583 que passaram. E na primeira tentativa. “Nunca estudei tanto na minha vida”, relembra. Ele já passou por um treinamento específico a fim de se especializar na área e está pronto para atuar na profissão.
Há um aumento de imigrantes brasileiros no Japão que está começando a alcançar postos inacessíveis a seus pais quase três décadas após o início da migração ao país asiático. Hoje, cavam espaço como professores, artistas e executivos de empresas.
Quando os filhos conseguem atuar em profissões também visadas pelos japoneses, acabam despertando o interesse da imprensa local, porque é como estivessem seguindo um caminho não natural ao seu destino. Ou seja, longe das fábricas e do trabalho braçal.
Com o diploma universitário obtido em uma das quase 780 universidades do Japão, essa geração de jovens filhos de “imigrantes” também chamam a atenção dos japoneses pelo ineditismo de suas conquistas.
É, por exemplo, o caso de Renan, que migrou ao Japão com oito anos acompanhando a mãe Regina. “Como ela trabalhava muito na fábrica, depois da aula eu ficava sozinho em casa assistindo a seriados policiais pela TV. Acho que isso despertou em mim o interesse por Direito”, diz.
Para ascender profissionalmente, ele conta que precisou se esforçar em dobro em relação aos japoneses. Conseguiu vaga na universidade pública de Aichi, onde formou-se em 2014, e depois a aprovação para a Ordem dos Advogados.
A intenção no início era ser promotor ou juiz. Desistiu, porque não queria trocar de nacionalidade, e resolveu se tornar advogado, profissão que passou a ser permitida aos estrangeiros desde uma mudança feita em 1977 pela Suprema Corte japonesa. Renan quer atuar na área de Direito do Trabalho para ajudar os estrangeiros, principalmente os brasileiros no Japão.
Renan Eiji é o primeiro brasileiro a obter uma licença para advogar no Japão — Foto: Acervo pessoal
Vida acadêmica
A via-crúcis percorrida por Renan até a faculdade é muito parecida com a de outros conterrâneos que entraram em escolas japonesas sem saber quase nada do idioma. No Japão, a criança é matriculada sempre na série correspondente à idade. Quanto mais velho for o aluno recém-chegado, maiores serão as dificuldades que enfrentará. O jovem advogado diz que a barreira linguística impede o estrangeiro de exercer seus direitos, por isso a importância de estudar o idioma local, por mais difícil que ela seja.
Porém, apesar do longo tempo de permanência no Japão, muitos brasileiros avançaram pouco no aprendizado da língua, mantendo-se fechados na roda de amigos com quem só se comunicam em português.
Levantamento feito pelo Ministério da Educação do Japão em 2017 identificou 34.334 alunos estrangeiros e 9.612 japoneses (de famílias internacionais ou crescidas no exterior) que precisavam de assistência especial na escola, devido à dificuldade de se comunicar e entender o idioma japonês. Entre os estrangeiros, 25,6% eram crianças falantes nativas do português.
‘Futuro diferente’
Na época dos irmãos Igi, não existia esse auxílio que a maioria dos alunos recebe atualmente para poder acompanhar as aulas. Assim que chegaram do Brasil em 1996, Rodrigo foi matriculado na quarta série e André, na segunda série do ensino fundamental de uma escola pública de Toyokawa. Eles levaram a primeira bronca assim que entraram na classe, de tênis, pois desconheciam a existência da sapatilha de uso obrigatório dentro da escola. O segundo sermão veio na sequência, quando começaram a mascar chiclete.
“Éramos os únicos brasileiros lá e não sabíamos das regras”, lembram.
Rodrigo Igi foi um dos primeiros brasileiros a se tornar professor no Japão — Foto: Acervo pessoal
Essa fase inicial da vida escolar no Japão foi uma sucessão de broncas, zombarias pelos colegas e episódios de bullying. Eles eram tão frequentes, que após dois anos André pediu aos pais para deixá-lo ficar em casa ou então ir para uma escola brasileira que começava a surgir na região. “Meu pai insistiu para que eu continuasse, porque só assim poderia ter um futuro diferente das fábricas no Japão”, diz.
Nessa mesma época, seu irmão Rodrigo foi diagnosticado com leucemia e precisou ficar internado sete meses. “Não entendia o que se passava com os japoneses, porque eu lutava para viver enquanto muitos jovens pensavam em morrer. Eram mais de 30 mil suicídios por ano”, afirma. Essa situação despertou nele a vontade de ser professor. “Percebi que não eram apenas os estrangeiros que sofriam por causa das diferenças. Havia milhares de japoneses que se sentiam excluídos e eu queria ajudá-los.”
Rodrigo obteve a licença para ensinar inglês no ensino fundamental 2. Naquele ano de 2009, professor estrangeiro contratado para a rede pública era figura rara, o que fez com que o brasileiro fosse bastante procurado pela mídia japonesa. “Eu passei um medo danado. Achei que se cometesse algum deslize, iriam penalizar a comunidade, e não eu, Rodrigo. Os japoneses poderiam fechar as portas para outros brasileiros que quisessem ser professores”, diz.
Ser pioneiro não foi fácil. Rodrigo, hoje com 32, lecionou por seis anos em uma escola pública de Toyota, passou dois anos na Inglaterra fazendo o mestrado e desde 2018 ensina na cidade vizinha de Toyohashi. Ele continua sendo referência aos estrangeiros.
Seguindo os veteranos
Karin Oshima, 25, percorre o mesmo caminho do professor veterano. Ela ensina geografia em uma escola do ensino fundamental 2 na cidade de Komaki e também passou por situações difíceis em sua vida escolar. Diz que o período de um ano em que esteve no Brasil como intercambista a fez entender muitas coisas sobre as diferenças culturais.
Também foi ao sair do Japão para fazer estágio nos Estados Unidos que André Igi tomou uma decisão para sua vida. Até então ele pensava em ser professor como o irmão Rodrigo, mas mudou de ideia e achou que poderia ser mais útil trabalhando em grandes corporações.
“Vi que poderia contribuir mais se estivesse atuando em vários países, não só no Japão”, afirma. Ele é um dos poucos brasileiros, filho de operário, a ser contratado direto no Japão por uma multinacional na área alimentícia, com várias unidades espalhadas pelo mundo, inclusive o Brasil.
A decisão de Nayara Kinjo pela carreira de assistente social teve um pouco da influência do pai Edilson, que durante muitos anos dirigiu uma organização destinada a ajudar brasileiros. A tese de mestrado dela foi sobre o envelhecimento dos brasileiros no Japão. Esse tema a preocupa mais do qualquer outro, porque uma grande parcela de conterrâneos permanece sem qualquer proteção de seguridade social enquanto vê o tempo passar.
“Conheci algumas pessoas que, por vários motivos, não pagaram a aposentadoria e não tiveram acesso aos benefícios da assitência social do Japão. Muitos deles estão na faixa de mais de 60 anos”, afirma.
À medida que vão abandonando o movimento pendular de ir e vir do Brasil para se fixar no Japão, um maior número de brasileiros se forma nas universidades japonesas e até foge de carreiras tradicionais. Ayane Mogi, de 25 anos, estudou na faculdade de Belas Artes pensando em ser designer, mas há um ano trabalha como rakugoka (espécie de humorista) usando o nome artístico de Ramune.
Filha de brasileiros, Ayane é nascida e criada no Japão, mas não sabia nada do idioma até entrar na escola japonesa. Também cometeu muitas gafes e diz que, se sofreu maus-tratos, relevou e tentou encarar a situação com bom humor.
O trabalho dela é entreter o público com monólogos humorísticos, num estilo criado no século 17. O humorista precisa de boa memória e expressão corporal, além de preparo físico para ficar um longo tempo sozinho no palco, sentado de joelho em uma almofada enquanto conta histórias reproduzindo as falas de vários personagens. Ayane é a única de origem brasileira a encarar esse desafio.