Você sabia que no Japão existem dezenas de dialetos?
Apesar do Japão ser um país relativamente pequeno, existem muitas variedades linguísticas que diferem de uma região para outra, assim como acontece no Brasil. O japonês padrão é o de Tóquio, chamado de Tokyo-shiki (東京式) que é prevalente em todo o arquipélago (incluindo Okinawa e Hokkaido). É o dialeto padrão que qualquer nativo entende e é aquele comumente usado nos livros, na televisão, nos rádio, em jornais e outros veículos de comunicação.
Mas existem muitos outros dialetos regionais que podem ser classificadas em quatro grandes grupos: Kanto-ben, Kansai-ben, Tohoku-ben e Kyushu-ben. Mas existem subdivisões a partir de cada um deles. Por exemplo, no caso do dialeto de Kansai, podemos encontrar dialetos específicos como Kyoto-ben, Osaka-ben, Kobe-ben. Interessante não é mesmo?
Vale também ressaltar que os dialetos japoneses não se referem apenas aos sotaques carregados, entonações na voz ou um ou outro vocabulário específico usado naquela determinada região, como notamos no Brasil por exemplo. Os dialetos podem ser tão distintos entre eles a ponto de não serem compreendidos por japoneses de outras regiões.
Mas qual a razão do Japão ter tantos dialetos?
A região de Kansai (ou região de Kinki) situa-se na região central-sul da ilha principal do Japão, chamada de Honshu. Kansai é um termo comumente usado para descrever as províncias de Osaka, Hyogo, Kyoto (bem como algumas áreas de Mie, Nara e Wakayama). Antes de Tóquio ser a capital japonesa, Nara (600-794) e Kyoto (794-1868) tinham essa função administrativa.
Durante o período Edo (1603-1868) sob o governo Shogunato Tokugawa, as pessoas tinham muitas limitações para se deslocar de uma região a outra. Geralmente, precisavam de documentos oficiais para provar que haviam mesmo recebido permissão para a viagem. Quem viajasse sem esses documentos, corria um grande risco de ser preso ou até mesmo morto.
A restrição das viagens, aliada ao seu território montanhoso, levou as aldeias a se isolarem geograficamente, dando origem a tantos dialetos diferentes. Cada aldeia desenvolveu suas próprias características culturais como podemos observar em seus festivais, suas tradições e comida, e claro, desenvolveram sua própria maneira de falar o japonês, que se caracteriza por diferentes acentos tonais, vocabulário, morfologia, utilização de partículas, etc.
Há casos em que eles diferem até mesmo na utilização de vogais e consoantes. Há quem diga também que antigamente, os clãs criavam seu próprio dialeto como uma maneira de identificar espiões de outro clã. Com o tempo, esse dialeto aparentemente secreto foi sendo mesclado ao japonês padrão, dando origem a um novo dialeto que no caso caracteriza aquela região.
O desenvolvimento do Japonês Padrão
Com o início da Era Meiji, em 1868, a capital foi transferida para Edo (que agora é chamado de Tóquio) e pessoas de todas as regiões do país resolveram se mudar para lá. No entanto, pessoas de regiões diferentes tiveram dificuldades de compreenderem umas às outras e com isso o governo decidiu padronizar o idioma para que todos pudessem se comunicar.
A linguagem padrão escolhida (Hyoujun-go 標準語), como era de se esperar, foi a de Tóquio que é chamada de Tokyo-shiki (東京式). Com a crescente urbanização e modernização do Japão, o uso da linguagem padrão se espalhou rapidamente por todo o país, passando a ser usado nas escolas, TVs locais, livros, jornais, revistas e mídias em geral.
No entanto, as pessoas costumam usar o seu dialeto local no dia a dia. Isso não traz muitas dificuldades na comunicação de pessoas de diferentes regiões, embora alguns dialetos das áreas mais rurais e remotas ainda permaneçam ininteligíveis para muita gente. Um exemplo é o Hakata-ben (博多弁), que às vezes pode soar tão estranho para aqueles que não estão familiarizados que muitos chegam a pensar que se trata de uma língua estrangeira.
Hakata-ben (ou Fukuoka-ben) é o dialeto típico da província de Fukuoka. A gramática básica de Hakata ben é semelhante ao Hichiku ben, usado em Saga, Nagasaki e Kumamoto. Entre as suas principais características gramaticais é o uso de “to” ou “tto” em perguntas. Por exemplo, no japonês padrão a pergunta “O que você está fazendo?” se diz assim: “Nani o shiteiru no?” Já nos dialetos Hakata e Hichiku, se diz assim: “Nan ba shiyo tto?” ou “Nan shitō to?”.
O que os japoneses sentem em relação aos dialetos?
A maioria dos japoneses sentem orgulho do dialeto falado em sua região pois faz parte da sua identidade cultural. E se sentem bem quando podem falar seu próprio dialeto com outras pessoas que falam da mesma maneira. Passa uma sensação de acolhimento e intimidade, diferente de quando usam o japonês padrão (hyojungo), que tem um estilo mais formal.
Mas também há pessoas que se sentem envergonhadas de conversar em seu dialeto local com pessoas de outras regiões. Mas qual a razão disso? Falar seu dialeto, entrega sua origem. Então, aqueles que nasceram e foram criados em áreas rurais e remotas podem se sentir acanhados em falar seu dialeto. Talvez seja por causa daquele velho ditado: Deru kui wa utareru 出る杭は打たれる, cujo significado é “O prego que se destaca será martelado”.
O Japão é um país que gosta de zelar pela conformidade e isso faz com que as pessoas tenham receio de se destacarem das outras. E isso significa que se você se desloca para uma outra região, deve falar como todo mundo está falando. Outra razão é que alguns dialetos tem expressões que são consideradas rudes e pode passar uma má impressão aos ouvintes.
Conhecendo alguns dialetos do Japão
https://youtu.be/UsuGxYJhKsk
Se você entende japonês e por acaso for passear em Osaka, Nara ou Kyoto, não estranhe se por acaso ouvir palavras e expressões diferentes do que está acostumado. Pode até ser um obstáculo a mais a ser enfrentado, mas ao mesmo tempo é muito curioso e gratificante perceber que cada região do Japão tem sua própria história, características culturais e diferenças linguísticas. E o melhor de tudo é saber que a maioria sente orgulho desse fato.
Como no Japão existem dezenas de dialetos, vamos dar apenas uma pincelada superficial sobre os 4 maiores grupos e mais pra frente, estaremos abordando os seus subgrupos.
1. Dialeto de Kanto (関東弁)
Kanto-ben (関東弁) está centrado em Tóquio e é também considerado a base para o japonês padrão (Hyoujun-go 標準語). Este também é o dialeto usado em boa parte de Honshu, a ilha principal do Japão. Esse dialeto costuma não ter muita entonação e sotaque.
2. Dialeto de Kansai (関西弁)
Kansai-ben (関西弁) está centrado em torno de Osaka, e é usado nas províncias de Osaka e Kyoto e em toda a área do sudoeste de Honshu. Também é chamada de Kinki hōgen (近畿方言), ou dialeto de Kinki. Neste dialeto existe outras subdivisões tais como Osaka-ben (大阪弁) e Kyoto-ben (京都弁). Se caracteriza pela fala rápida e com muito mais entonação.
3. Dialeto de Tokoku (東北弁)
Tohoku-ben (東北弁) é o dialeto falado na região nordeste de Honshu. É considerado um linguajar bastante rural e áspero em comparação com outros dialetos tais como Kansai e Kanto. Muitas vezes é usado para caracterizar pessoas do campo (Inaka) na ficção. O sotaque é considerado arrastado e difícil de entender. Muitas vezes é referido como Zuzu-ben, porque palavras como Sushi e Susu parecem ter o mesmo som quando se fala neste dialeto.
Muitas palavras, partículas e terminações parecem ter o som anasalado, como o “ga” que se torna “nga”, o “ku” se torna “gu” e assim por diante. O dialeto usado em Hokkaidō é muito semelhante a este dialeto. Por causa das grandes diferenças fonéticas entre Tohoku-ben e Kanto-ben, costuma-se usar legendas para falantes de Tohoku em reportagens de TV.
4. Dialeto de Kyushu (東北弁)
Kyushu-ben (東北弁) pode ser classificados em três grupos: Dialetos Hichiku, Hōnichi e Satsugu (dialeto de Kagoshima), e todos tem diferenças e características próprias. Esse dialeto abrange o sudoeste de Honshu (incluindo Hiroshima) e região de Shikoku e Kyushu.
Alguns dos dialetos de Kyushu são totalmente ininteligíveis por japoneses de outras regiões. Além do vocabulário, Kyushu-ben tem algumas diferenças na forma como algumas vogais são pronunciadas. O -i no final dos adjetivos normalmente são substituídos pelo -ka (por exemplo, Samuka em vez de Samui). Também costumam usar “yokka” em vez de “sou desu ne” (そうですね) e “Sukan” em vez de “suki ja nai” (すきじゃない). No norte de Kyushu, também vai notar a mudança da partícula を (wo) para ば (ha) e ている (te iru) para よっと (Yotto).
Línguas Ryukyuanas (Okinawa) e dialeto de Kagoshima
Bem, como é um assunto bem complexo, estaremos abordando esse assunto em outros artigos. Vale também ressaltar que as línguas Ryukyuanas de Okinawa e das ilhas mais ao sul de Kagoshima formam um ramo separado na Família Japônica. Não são considerados dialetos japoneses por compartilharem pouco em comum com o japonês falado em outras regiões.
Infelizmente a língua ryukyuana, assim como a de outras ilhas no sul do Japão estão desaparecendo pois são usadas normalmente pelas pessoas mais velhas. Existe uma preocupação de passar esses conhecimentos para as gerações mais novas já que faz parte da identidade local, além de herança cultural e histórica dos povos dessas regiões.
Fonte: Japão em Foco