Hansei (反省) é um conceito da cultura japonesa que pode parecer complexo para muitos ocidentais. Talvez só quem viveu no Japão por um longo período poderá entender a natureza desse conceito assim como um japonês nativo. Mas qual o significado de Hansei?
Han (反) significa “mudar”, “mudar alguma coisa”, “ver algo de uma perspectiva diferente”, e Sei (省) significa “rever”, “examinar a si mesmo”. Já a tradução típica da palavra inteira hansei (反省) é geralmente descrita como “introspecção” ou “reflexão”.
A maioria das pessoas normalmente costumam praticar o hansei em maior ou menor grau; mas neste artigo vamos ver como o hansei é aplicado em na sociedade japonesa.
Entendendo o conceito Hansei
Em uma postagem no blog Geek in Japan, o autor do texto relata uma experiência curiosa, embora comum no Japão. Provavelmente muitos estrangeiros que trabalham em fábricas no Japão já devem ter vivenciado. E tudo isso teve início quando seu chefe chamou os funcionários para uma hansei-kai, ou seja, uma reunião “para fazer hansei”.
Héctor, o autor do texto, consultou o dicionário e viu que o significado literal da palavra hansei era “introspecção”. Mas, afinal de contas, o que seria uma reunião de “introspecção”? A resposta seria dada durante a reunião, quando foram advertidos pelo chefe sobre um grave erro cometido há dois dias e que em hipótese nenhuma deveria acontecer novamente.
Todos sabiam que esse erro havia sido cometido pelo Tanaka-san e no pensamento ocidental, somente ele deveria ser responsabilizado e chamado a atenção pelo erro. Provavelmente, os outros funcionários estrangeiros pensaram isso, mas ninguém teve coragem de dizer.
Tanaka-san estava sentado no canto da mesa olhando para baixo, também em silêncio e ouvindo o discurso do chefe. Quando ele terminou, o chefe perguntou a cada um dos funcionários o que poderia ser feito para que o erro nunca mais voltasse a acontecer.
Sem mencionar Tanaka-san, cada um deu sua opinião sobre quais mudanças poderiam introduzir para melhorar o controle de qualidade. Na vez de Tanaka-san, ele assumiu sua responsabilidade e pediu desculpas brevemente com um simples “sumimasen”. Em seguida explicou o que havia feito e o que poderia fazer para que o erro não se repetisse.
No final da reunião, o chefe resumiu todas as lições aprendidas em um quadro branco e disse que enviaria um e-mail com todas as conclusões e mudanças a serem introduzidas na rotina de trabalho do grupo. Depois, o chefe explicou o que havia acontecido ao presidente, assumindo toda a responsabilidade sobre o erro da equipe (sem mencionar o Tanaka-san).
Tanaka-san nunca mais cometeu o mesmo erro, assim como nenhum outro funcionário, graças à reunião de reflexão de introspecção hansei, que ajudou a melhorar o trabalho em equipe.
Desse relato é possível tirar várias lições. Uma delas é que o objetivo da reunião não era fazer com que Tanaka-san se desculpasse, nem culpar Tanaka-san pelo que havia feito. O objetivo principal da reunião era melhorar a equipe, ou seja, fazer kaizen (melhoria contínua).
Em uma situação semelhante no mundo ocidental provavelmente as pessoas apontariam o dedo para Tanaka-san, que por sua vez poderia não assumir sua culpa, resultando em uma grande tensão entre os membros da equipe. E isso não evitaria que o erro voltasse a acontecer.
Que reflexão podemos fazer disso?
Na sociedade ocidental, o sentimento de culpa é incutido desde nossa infância devido nossas tradições cristãs. Quando cometemos um erro, muitas vezes não queremos aceitá-lo. Por outro lado, o Japão é uma sociedade onde o mais temido não é culpa, mas sim a vergonha.
Tanaka-san sentiu-se envergonhado por ter falhado e com isso afetado todo o trabalho em equipe. A equipe também se sentiu constrangida por ter falhado com o chefe. E o chefe por sua vez, sentiu-se constrangido por ter falhado com a equipe e com a empresa.
Todos nós, seres humanos, cometemos erros, mas dependendo da nossa personalidade e da cultura em que fomos criados, podemos ter diferentes reações. No caso dos japoneses, a primeira reação é um profundo sentimento de embaraço e constrangimento.
Este sentimento inicial de embaraço é canalizado através do hansei, ou seja através da reflexão e da introspecção sobre o que aconteceu, conscientizando-se do erro cometido e compartilhando o erro com todo o grupo sob uma perspectiva coletivista.
Na cultura ocidental, é comum as pessoas tentarem esconder seus erros e evitarem a todo custo que alguém os descubra. E quando descoberto, tentam a todo custo culpar outra pessoa ou criam ideias mirabolantes para se livrar da culpa em relação ao erro cometido.
Na verdade hansei significa muito mais do que assumir sua responsabilidade sobre os erros e fazer uma reflexão deles através de diferentes perspectivas. Hansei é fazer uma introspecção, ou melhor, um “conhecimento de si mesmo” (autoconsciência, um conceito budista).
As três etapas do hansei:
1.- Reflexão, introspecção e assumir sua responsabilidade.
2.- Reconhecendo que existe um problema. Identificar a origem da diferença entre o que você tentou alcançar e o resultado real.
3. Comprometer-se a uma série de mudanças para melhorar.
Essas etapas podem ser aplicadas em um nível individual e em uma equipe. Quando as crianças japonesas fazem algo errado, elas são repreendidas e são informadas: Hansei shinasai “反省しなさい” (Por favor reflitam sobre isso!).
As crianças sabem em seu subconsciente que precisam assumir a responsabilidade, reconhecer e explicar o problema. E por último evitar de cometerem o erro novamente. Não é uma questão de repreender a criança para que se sinta culpada, é uma questão de fazê-la ver que ninguém é perfeito e que todos nós podemos melhorar como indivíduos.
Aos poucos, Héctor passou a entender que o hansei está sempre presente, mesmo quando não se comete erro algum. Por exemplo, ele percebeu que seu chefe nunca estava 100% satisfeito pois sempre esperava mais de sua equipe e de cada funcionário individualmente.
“Quando ele me elogia, em seguida sempre faz uma “crítica construtiva”. Ele me diz algo assim: “Héctor, bom trabalho, obrigado pelo seu esforço nas últimas semanas. Mas, você poderia tentar fazer melhor da próxima vez?. Ele não está zangado, apenas quer que sejamos um indivíduo melhor, para formar uma equipe melhor, para ser um Japão melhor”.
“Apesar de termos cumprido nossos deveres, embora tenhamos superado as expectativas de todos, muito provavelmente poderíamos ter feito o nosso trabalho ainda melhor. No mundo laboral japonês, sinto que as pessoas nunca estão satisfeitas; o comportamento das pessoas é bastante semelhante quando as coisas correm bem e quando as coisas correm mal”.
Conclusão
No mundo ocidental, temos o hábito de nos gabar de quão bem fizemos algo. No Japão, embora as conquistas sejam celebradas, as pessoas tentam não se destacar e ser humildes.
No mundo ocidental, esperamos receber uma recompensa quando fazemos um bom trabalho. Já no Japão, esperamos que alguém nos diga ou nos pergunte como fazer melhor da próxima vez. Veja, não estou dizendo que um seja melhor ou pior que o outro. Apenas estou dizendo que são maneiras diferentes de lidar com determinadas situações no ambiente de trabalho.
A experiência é o melhor professor. Se não aprendermos sobre nossas experiências, estaremos avançando em vão. O conceito hansei pode ajudar você a melhorar, a aprender, a tirar o máximo proveito de sua experiência. E o mais legal é que o conceito hansei pode ser aplicado não só em nossa vida profissional como também em nossa vida pessoal.
O objetivo final do hansei é melhorar através de um processo de introspecção, aprender sobre si mesmo, aprender a ser melhores indivíduos e uma sociedade melhor. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Japão tem seguido este conceito e podemos percebe-lo não só dentro das empresas como em todas as situações críticas pelo qual o país passa.
Com certeza, o conceito hansei teve um papel essencial na reconstrução do país após inúmeros desastres naturais enfrentados nos últimos tempos. Através do hansei, muitas melhorias foram alcançadas para evitar ou ao menos minimizar os efeitos dessas tragédias.