O nori, folha comestível feita a partir de algas marinhas, é facilmente encontrado hoje em pratos da culinária japonesa como sushi, temaki, oniguiri e lámen.
A situação podia ser diferente não fosse o trabalho de pesquisa da botânica Kathleen Drew-Baker (1901-1957), na Inglaterra, com as algas vermelhas do gênero Porphyra.
As descobertas de Drew-Baker tiveram repercussão internacional e foram o ponto de partida para o desenvolvimento da produção de nori em escala industrial no Japão em meados do século 20.
O nori na alimentação japonesa
A produção comercial de algas marinhas no Japão começou no século 17, quando pescadores se deram conta de que as algas cresciam em cercas de bambu – até então, elas eram simplesmente coletadas em rochas marinhas e reservatórios. Com a descoberta, passou-se a construir “plantações” comerciais de algas marinhas por meio de uma sofisticada estrutura submersa de caules de bambu.
Com uma produção maior (embora irregular), o preço das algas Porphyra diminuiu, o que ampliou seu consumo. A ideia de comê-las no formato do nori só surgiu no século 18, quando cozinheiros se inspiraram nas técnicas tradicionais japonesas de produção de papel para triturá-las e secá-las em grelhas, até transformá-las nas folhas secas que conhecemos como nori.
Os efeitos da natureza e da poluição
Em meados do século 20, algas do gênero Porphyra já eram um dos alimentos básicos da culinária japonesa. O cultivo dessas algas, porém, ainda era imprevisível: seus produtores desconheciam como garantir uma boa colheita e, em determinados anos, as algas simplesmente não floresciam.
Pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a produção praticamente deixou de existir: uma série de furacões violentos atingiram a costa do Japão no final dos anos 1940, impactando o desenvolvimento das algas marinhas, que também vinham sofrendo os efeitos da industrialização e da poluição.
A cientista do outro lado do mundo
Nos anos 1920, Kathleen Drew-Baker já lecionava botânica na Universidade de Manchester, na Inglaterra. A instituição, no entanto, não aceitava empregar mulheres casadas – razão pela qual Drew-Baker foi desligada do corpo docente em 1928. Ela continuou atuando como pesquisadora, mas sem remuneração.
Drew-Baker se dedicou ao estudo do ciclo de vida da Porphyra umbilicalis, uma alga encontrada no País de Gales que, por coincidência, é “parente” da alga marinha usada na produção de nori no Japão.
Como foi a descoberta
No intuito de coletar esporos (estruturas unicelulares que atuam na reprodução de plantas, algas e fungos), a cientista começou a cultivar a espécie em um tanque marinho instalado no laboratório, colocando também conchas de ostras no fundo do reservatório.
Conforme as algas produziam esporos desejados, porém, Drew-Baker notou uma alteração: um resíduo rosado passou a cobrir as conchas. Na época, acreditava-se que a cobertura correspondia a uma espécie de alga chamada Conchocelis rosea. Ela aparecia durante o verão, enquanto a Porphyra umbilicalis florescia no inverno. Drew-Baker descobriu que as duas espécies, na verdade, eram uma só.
A conclusão da cientista foi publicada em artigo científico na revista Nature em 1949. No artigo, Drew-Baker esclarece que o que era conhecido como Conchocelis rosea era um estágio do desenvolvimento das algas Porphyra.
Os esporos das algas adultas desciam ao fundo do mar, depositando-se sobre conchas de animais bivalves como ostras e moluscos, cobrindo-nas com o lodo rosado que era até então entendido como outra espécie.
Esse estágio permite que a alga jovem fique protegida no fundo do oceano, sem sofrer os efeitos de fenômenos como as ondas de calor marinhas. Por sua vez, ele também produz esporos que se alojam em caules de bambu e se desenvolvem até se tornarem algas Porphyra adultas e maduras.
Os efeitos da guerra
Além dos fenômenos já citados como responsáveis pelo desaparecimento das algas Porphyra da costa do Japão, minas subaquáticas lançadas pelo exército americano durante a guerra haviam dizimado os bivalves instalados no fundo do Oceano Pacífico, eliminando o habitat necessário ao estágio inicial de desenvolvimento das algas, segundo explica a escritora Ruth Kassinger no livro “Slime: How Algae created us, plague us, and just might save us” (algo como Lodo: como as algas nos criaram, nos atormentam e podem nos salvar) publicado em 2019 nos EUA e sem tradução no Brasil até o momento.
A leitura do estudo e sua repercussão
Kathleen Drew-Baker nunca foi ao Japão. Mas sua pesquisa foi lida pelo biólogo marinho japonês Sokichi Segawa (1904-1960), que deduziu que as algas marinhas japonesas do gênero Porphyra provavelmente compartilhavam desse ciclo de vida.
A partir da descoberta de Katherine Drew, que revelou a importância de conchas onde os esporos possam se instalar, Segawa passou a colaborar com outros cientistas para replicar uma versão do habitat necessário para o desenvolvimento das algas, o que levou à estruturação de um cultivo industrial e fez com que a produção de nori no Japão se recuperasse.
Desde a década de 1950, a contribuição de Drew-Baker é anualmente lembrada no Japão em um festival: ela recebeu o título de “mãe do mar” e é homenageada por um monumento na cidade de Uto, ao qual muitos produtores de nori se dirigem no dia 14 de abril para celebrar sua descoberta.