Consulta médica, é um grande desafio quando não compreendemos o idioma local. Com um pouco de esforço, poderá ser superado. Afinal é a sua saúde!
Como os estrangeiros realizam a consulta médica
Uma das grandes dificuldades no cotidiano de quem mora no exterior, são as consultas realizadas nos hospitais, seja para um exame regular ou para um caso de emergência.
Esta realidade não é diferente para quem reside no Japão. Além do idioma ser completamente diferente do nosso, ainda temos os obstáculos culturais e sociais envolvidos nesta questão.
Muitos estrangeiros, principalmente brasileiros, passaram pela experiência de trabalharem em empresas (empreiteiras) que disponibilizavam intérpretes para consultas médicos. Isto ocorreu, principalmente nas cidades com mais concentração da comunidade.
Com o tempo, as próprias instituições médicas sentiram a necessidade de contratarem um intérprete, pois o grande número de pessoas que necessitavam de atendimento médico não dispunham destes profissionais.
E quando não tinha intérprete na empresa para acompanhar ao hospital? Muitas vezes solicitavam a ajuda de pessoas que entendiam um pouco mais o idioma, ou mesmo a ajuda de intérpretes autônomos. Isto gerava uma despesa a mais para o paciente, que muitas vezes deixava de procurar os serviços médicos.
Em síntese
Atualmente, a comunidade conta as seguintes opções para procurar serviços hospitalares ou consulta médica:
1. Intérpretes para acompanhamento médico da empresa contratante
2. Utilização dos serviços de intérprete das instituições médicas (clínicas, hospitais, associações médicas, etc). Alguns hospitais contratam serviços de intérprete por telefone em vários idiomas.
3. Contratação de um serviço intérprete autônomo ( incluímos aqui também os amigos e familiares do paciente, com conhecimento do idioma japonês)
4. Ir sozinho ao hospital
Termos médicos são complicados em qualquer idioma. Deixar de falar um sintoma, não entender uma palavra, ou a explicação do médico, pode aumentar nossas preocupações com a saúde. E pior, acabamos não recebendo o tratamento adequado, ou o diagnóstico correto.
Minha primeira consulta médica no ortopedista
Cheguei ao Japão em 1991, no início da Era Dekassegui, quando os primeiros descendentes vieram ao arquipélago com visto de trabalho. Não tinha fluência no idioma, somente quando criança aprendi hiragana, katakana e alguns kanji.
Quando precisei ir ao médico pela primeira vez em Hamamatsu, fui acompanhada do tantosha (responsável da empreiteira na fábrica) japonês que não sabia o idioma português. Gesticulações e algumas poucos vocábulos conhecidos, mais o senso de “adivinhar” o que era explicado. Bem complicado…
A especialidade consultada foi ortopedista. Saí sem entender qual foi o diagnóstico e para que serviam tantos remédios… E o que fazer se a dor na mão continuasse… Pior de tudo, não consegui falar sobre “todas” as dores que estava sentindo… Além da dor na mão, pelo uso contínuo da tesoura no trabalho, ainda tinha dores terríveis nas costas (serviço pesado), dores de cabeça e o famoso [katakori](rigidez nos ombros).
Resolvi comprar os únicos dicionários disponíveis na época, um de Português/Japonês e outro Português/Japonês. Assim mesmo era bem complicado…
Consulta no ginecologista e o meu espanto
Alguns anos depois, mudei para Saitama, numa pequena cidade com cerca de 10 brasileiros residentes. Estava grávida e o tantosha morando em Tokyo, sem condições de acompanhar nas consultas médicas. Ir sozinha era a única opção, mesmo sem saber falar japonês.
Procurei a única clinica de Ginecologia da pequena cidade. Logo que o médico (muito idoso por sinal) viu que era gravidez, me encaminhou o mais depressa possível para uma grande hospital na cidade vizinha. Disse que não poderia me atender, e nem me examinou. Fiquei revoltadíssima, achando que era discriminação por eu ser estrangeira e não entender o idioma!!!!
Mais tarde, vim a saber, que no sistema hospitalar japonês, nem todas as clínicas estão habilitadas para a especialidade de obstetrícia, ficando a cargo de grandes clínicas e hospitais. Como a clínica que consultei era pequena e muito antiga, não realizava o pré natal…
E assim, utilizando os dois dicionários fui ao hospital da Cruz Vermelha sozinha, durante a gestação e também ao pediatra quando nasceu o meu filho. A comunicação foi difícil no começo. Desenvolvi uma técnica para conseguir ser entendida pelos médicos e compreender as explicações recebidas. Vou estar falando sobre isto aqui.
Sobre o trabalho como intérprete em hospitais
Graças ao método que fui aprimorando aos poucos sozinha, ao mudar para Toyohashi, conseguia encarar com mais facilidade as consultas dos filhos, bem como o acompanhamento das crianças na creche.
Em 2000, iniciei um trabalho no escritório de uma grande empreiteira em Okazaki. Aqui tive oportunidade de aprender um pouco mais do idioma japonês. Uma das atividades era acompanhar funcionários em órgãos públicos, inclusive hospitais.
Aumentou o número de dicionários adquiridos para suporte e agora, contava com a internet. Sim, a busca online facilitou muito o entendimento de doenças, sintomas, tratamentos para serem utilizados nos serviços de intérpretes.
Em 2002, foi publicado o Dicionário de Termos Médicos Japonês-Português e Português-Japonês da autoria da Dra Elza Nakahagi. Era a ferramenta de que necessitava para dar suporte ao nosso trabalho.
Em abril de 2019, foi publicado a revisão deste dicionário, contendo mais vocabulários, ilustração e dicas úteis. Recomendo a todos, independente se tem ou não um intérprete à sua disposição. Mais informações aqui.
Nos dias atuais
Infelizmente ainda encontramos na comunidade, pais que não entendem o idioma japonês, pedem para os filhos acompanharem e servirem de intérpretes. Estas crianças ainda estão na escola primária japonesa ou mesmo cursando o ginásio.
Por mais boa vontade que tenham em ajudar os pais, ainda não compreenderão adequadamente o que os adultos querem transmitir numa consulta médica, seja o paciente ou o médico. É muito importante que estes pais aprendam mais sobre o idioma japonês enquanto estiverem residindo no arquipélago.
Como trata-se de sua saúde e de seus familiares, é muito importante a compreensão clara e objetiva na comunicação com os médicos. No começo pode parecer muito complicado, e é. Mas vale a pena o esforço! À medida que você vai aprendendo novos vocábulos, aumenta sua auto-confiança e facilitar sua comunicação.
Isto implica em um outro problema maior, quando as crianças crescem em ambiente japonês (escola, trabalho, amigos), poderão chegar a um estágio onde haverá interferência, ruído na comunicação com os pais na fase adulta. Para isto, os pais deverão aprender mais o japonês, e os filhos não devem deixar de aprende também o português.
Intérpretes da comunidade
Em contrapartida, a necessidade cada vez maior de intérpretes comunitários para atender os estrangeiros tantos nos órgãos públicos (prefeitura, escolas, policia, etc) como nas áreas médicas fez surgir uma nova categoria, que ainda não é reconhecida como profissão, porém muito indispensável para aqueles que não dominam o idioma japonês.
Os estrangeiros, intérpretes médicos , vem estudando cada vez mais o idioma japonês, realizando cursos, aperfeiçoando técnicas e até começaram a formar grupos específicos nas redes sociais para intercâmbio de conhecimento e experiência, bem com o surgimento de empresas de serviços para esta categoria.
Fonte: AZ Blog