As medidas adotadas pelo governo do Japão contra a covid-19 não têm sido suficientes na opinião da maioria dos japoneses.
Pesquisas realizadas por vários órgãos de imprensa indicam que o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, está perdendo popularidade por causa das respostas à pandemia do novo coronavírus, consideradas tardias e inadequadas.
Ao insistir em usar cerca de US$ 435 milhões do orçamento na compra de máscaras de tecido para distribuir à população, o premiê se expõe ainda mais à artilharia de críticos que passaram a se referir a essa mais recente ação do governo como “Abenomask” (algo como “máscara de Abe”). O termo faz alusão às políticas econômicas adotadas pelo Japão em 2012 e conhecidas como “Abenomics”.
O índice de popularidade do primeiro-ministro mensurado em diversas pesquisas realizadas neste fim de semana varia conforme a fonte, mas todas elas apontam queda.
O jornal Yomiuri mostra 42% de aprovação e 47% de reprovação ao governo Abe, enquanto levantamento feito por telefone pela agência Kyodo revela que 43% estão insatisfeitos com o governo e 40% satisfeitos (redução de 5,5 pontos percentuais em relação à enquete de março).
Para mais de 80% das pessoas ouvidas pela Kyodo, o premiê Abe demorou para declarar estado de emergência como medida de contenção do novo coronavírus no Japão.
O anúncio só foi feito em 7 de abril, mais de três meses do início do surto no país e após pressão de especialistas e de Províncias diante do aumento de casos de contaminação comunitária.
A medida chegou tarde, mas tem a aprovação de 75% dos japoneses, sendo que a maioria (68,9%) acredita que o número de infectados não vá cair durante esse período.
Pesquisa do jornal Yomiuri aponta índices semelhantes: para 59%, o estado de emergência é medida branda e insuficiente para evitar a propagação do coronavírus. A Constituição impede o Japão de adotar a quarentena como está sendo feita em alguns países europeus, e também de recorrer à punição e prisão para obrigar o isolamento social.
400 mil mortos
Um grupo de especialistas criado pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social para ajudar a conter a disseminação do coronavírus estima que mais de 400 mil pessoas podem morrer no Japão devido à covid-19 caso não sejam tomadas medidas mais drásticas.
Hiroshi Nishiura, professor da Universidade de Hokkaido e membro da equipe, apresentou nesta quarta-feira (15/04), estudos indicando que a inércia vai fazer o número de pacientes em estado grave atingir o pico cerca de 60 dias após o início da expansão das infecções.
Se nada for feito, 850 mil pessoas (200 mil com idade entre 15 e 64 anos e 650 mil com 65 anos ou mais) estarão em condições graves e poderão precisar de respiradores artificiais. E nesse cenário, diz Nishiura, mais da metade desses pacientes podem morrer.
No cálculo foi usada a média de um indivíduo contaminando outros 2,5. Segundo o professor, evitar aglomeração e manter o distanciamento social são imprescindíveis para conter a covid-19.
No Japão, o número de mortos pela doença chegou a 176 e o total de casos confirmados alcançou 8.640 na quarta-feira. Entre os infectados está um bebê de 11 meses que, assim como os pais na faixa dos 40 anos, testou positivo para o novo coronavírus na província de Toyama. Com 2.319 casos, Tóquio encabeça a lista das regiões com o maior número de infectados, seguida por Osaka (894) e Kanagawa (582).
Os pedidos do premiê Abe e de governadores para a população reduzir a circulação em 80% e adotar o teletrabalho ainda não surtiram completamente seu efeito. Muitos funcionários de colarinho branco reclamam de dificuldades para trabalhar em casa.
O premiê tem insistido na necessidade de diminuir o fluxo de pessoas nas ruas para achatar a curva de contaminação. Assim como fizeram muitos artistas japoneses, Abe resolveu pegar carona no post que o cantor Gen Hoshino fez sobre ficar em casa, e gravou um vídeo em que aparece sentado na poltrona, acariciando seu cachorrinho e bebendo café.
Deixou junto mensagem de incentivo ao autoisolamento. Porém, a iniciativa rendeu alguns elogios e muitas críticas e comentários como “Muitos cidadãos estão sofrendo. Seu lugar é no Parlamento”.
Mudanças de rotina
Por causa do coronavírus, a intérprete Yayoi Iwamoto não precisa mais ir a hospitais para ajudar na comunicação entre médicos e pacientes estrangeiros.
Nem por isso ela deixou deixou de andar de trem. Por causa da natureza do seu trabalho, diz que precisa sempre ir até para uma central.
“Mesmo agora fazendo a tradução por telefone, não posso trabalhar em casa porque o conteúdo da conversa é muito sigiloso sobre a saúde da pessoa”, diz à BBC News Brasil.
Também por causa da cultura empresarial de usar o carimbo (hanko) para aprovar desde compra de papel sulfite até aprovação de contratos, mesmo quem está no sistema de teletrabalho às vezes precisa ir até a empresa só para pegar o carimbo dos superiores.
Os japoneses não questionam a importância de manter o distanciamento social e fazer a higiene das mãos para evitar o contágio. Quando o tema é máscara, as opiniões se dividem.
Pesquisa da agência Kyodo mostra que 76,2% das pessoas ouvidas e 73% dos entrevistados pelo jornal Yomiuri não aprovam a distribuição de máscaras como medida de combate à disseminação do coronavírus no Japão.
O premiê Abe insiste em seu plano de enviar duas peças por domicílio (independente do número de pessoas por endereço), alegando que elas vão ajudar a aliviar a ansiedade em relação à ausência do produto nas prateleiras. O envio será feito a partir desta semana pelo correio.
Em um documento emitido em março para equipes médicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que não recomenda máscaras de pano sob nenhuma circunstância.
De acordo com Kazunari Onishi, professor associado da Universidade Internacional de St. Luke e especialista em saúde pública, a eficácia desse tipo de máscara é limitada, pois elas têm grande espaço entre as fibras do tecido e não impede totalmente a entrada do vírus. Mas seu uso poderia ajudar a proteger de infecção viral e manter a garganta umedecida, diz o médico.
“Abe não sabe o que é o mais importante para o povo”, opina Yayoi. “O problema hoje é a falta de equipamento médico. O dinheiro que ele vai gastar nas máscaras deveria ser usado aí”, diz a intérprete. Ela já usava máscara de pano lavável para sair de casa e sempre a trocava pelo tipo descartável quando entrava no hospital. “É para evitar contaminar pacientes”, afirma.
Shuji Kurosawa também é contra o uso do dinheiro público para compra e envio de máscaras. “É algo totalmente desnecessário”, crítica. Sua preocupação é com as medidas que fizeram seu negócio fechar mais cedo.
O comerciante tem um bar-lanchonete em Tóquio, e desde a declaração do estado de emergência, teve que reduzir o horário de funcionamento em quase quatro horas todos os dias.
“Entendo a importância disso, mas é um problema que todos precisamos administrar. Comecei a vender comida para viagem para tentar segurar as contas”, diz.
Seis categorias de estabelecimentos foram solicitadas pela governadora de Tóquio, Yuriko Koike, para permanecerem fechadas durante o estado de emergência.
Na lista estão cinemas, universidades, casas de diversão e outros negócios que têm muita aglomeração. A lanchonete de Kurosawa e todos empreendimentos do setor alimentício precisam fechar mais cedo, enquanto supermercados, farmácias e comércio que vende itens essenciais podem permanecer abertos.