Não é de hoje que venho recebendo perguntas de muitas pessoas que tem vontade de adotar uma criança no Japão ou ainda se existem orfanatos na Terra do Sol Nascente. Resolvi pesquisar sobre o assunto e descobri várias coisas interessantes que me surpreenderam e acredito que vão surpreender vocês também.
Segundo estatísticas em março de 2011 haviam 36.450 crianças no sistema de orfanato no Japão. Apenas 12% ou 4.373 foram adotadas ou colocadas em um orfanato durante os últimos 12 meses. Ao contrário do que se pensa, existem muitos orfanatos no Japão. A maioria foi construído após a Segunda Guerra Mundial.
Nesse período, muitas crianças perderam os pais na guerra. A adoção de crianças só passou a ser legalizada a partir de 1988 (em contrapartida, oaborto é legalizado desde a década de 1940). Antes de 1988, a adoção existia no Japão, porém ocorria debaixo dos panos, principalmente entre parentes ou para se ter um herdeiro.
Atualmente, podemos constatar que uma grande parcela de crianças que vivem em orfanatos no Japão não são órfãs na verdade. Ou seja, os pais (ou pelo menos um dos pais) estão vivos e por alguma razão (que não sabemos), deixaram seu filho ou filha aos cuidados da instituição, muitos quando ainda eram bebês.
Como o governo japonês reluta em manter essas crianças em orfanatos a fim de não cortar seus laços parentais com a família biológica, a adoção torna-se então algo complicado. Alguns são deixados durante a infância toda e lá permanecem até que cumpram 18 anos. Muitos não recebem nem visitas dos pais biológicos.
Ao mesmo tempo que o governo dá direitos aos pais de reivindicar a custódia da criança futuramente, em qualquer época, impede que essas crianças possam ser legalmente adotadas e ganhem um lar e uma família. Um voluntário que trabalha em um orfanato japonês conta que certa vez, viu uma mãe visitar a filha de três anos.
A menina a chamou de “mama”, assim como qualquer criança diz à sua mãe quando esta vai buscá-la na escola. As duas ficaram juntas por 15 minutos. Nesse intervalo de tempo, a mãe deu à filha um pequeno brinquedo e logo foi embora. Quando a mãe saiu, a menina não chorou e foi direto brincar com seus amigos.
As circunstâncias que levaram essa mãe a abandonar a filha em um orfanato são desconhecidas, no entanto nos causa comoção. Que motivos levaria uma mãe residente em um país de primeiro mundo onde o governo oferece uma série de ajudas financeiras para pessoas de baixa renda ou mesmo mães solteiras?
Enfim, não nos cabe julgar. O fato é que essa realidade está presente na vida de muitas crianças que vivem em orfanatos no Japão. Vocês devem pensar… se essa mãe não tempo para se dedicar à filha, por que então a priva de ganhar um lar adotivo com uma família que possa oferecer a ela muito mais do que 15 minutos?
O problema é muito mais complicado do que parece. Primeiro: A adoção não é comum e nem é bem vista no Japão, por ser um país que preza muito os laços sanguíneos. A adoção de crianças é muitas vezes encarado como um ato estranho e vergonhoso, ao contrário do que acontece nos países ocidentais.
Muitas vezes quando uma criança é adotada no Japão, os pais mudam de cidade para que possam apresentar a criança como sendo filho(a) biológico(a). Desta forma, ninguém da comunidade saberá que aquela criança é adotada. Infelizmente esse tipo de pensamento ultrapassado ainda existe e está enraizado no Japão.
Além da questão do sangue, tem a questão do sobrenome que também pesa muito na Terra do sol Nascente. O Japão adota um sistema de registro familiar chamado Koseki [戸籍] e trata-se de um documento importante que registra muitos detalhes da história de cada família, a partir de muitas gerações passadas.
Esses documentos contem dados genealógicos muito antigos, com registros dos pais, dos avós, dos bisavós, dos trisavós, dos tataravós, etc. Mostra os nomes, a ordem exata dos nascimentos, casamentos divórcios ou óbitos de cada familiar. Por um lado é bom, mas no caso de uma adoção é ruim, pois o processo de adoção e seus detalhes (inclusive os nomes dos pais biológicos) terão que constar nesse documento.
Isso acaba por inibir a prática de adoção no Japão, pois muitos japoneses acreditam que a sociedade não enxerga a adoção como um ato de generosidade, compaixão e amor ao próximo e sim como um ato estranho ou vergonhoso.
Já uma criança que vive por anos em um orfanato não terá esse registro no koseki, deixando-a livre de qualquer tipo de constrangimento quando chegar na fase adulta (exceto o trauma eventual de ter passado a infância toda dentro de uma instituição). Infelizmente é assim que funciona o sistema japonês.
Hospital Japonês que oferece serviço de adoção
Mas a questão da adoção no Japão pode estar tomando novos rumos. O Hospital Fukuda em Kumamoto é o primeiro hospital no Japão que vem desempenhando um “serviço especial de adoção.” Crianças abaixo de 6 anos de idade podem ser colocadas em adoção pelo hospital, e na lista se enquadram órfãos, crianças que sofreram abuso ou que por alguma razão foram abandonadas pelos pais.
Este programa de adoção que tem aval do Ministério da Saúde e da Associação Médica do Japão tem regras bem rígidas em relação ao processo. Em primeiro lugar, o Hospital não poderá receber dinheiro dos pais adotivos. Se houver fluxo de dinheiro duvidoso, o processo de adoção pode ser interrompido.
Já houve casos de uma clínica privada em Tóquio que foi denunciada por receber muito dinheiro de pais adotivos. Segundo Shigeru Fukuda, diretor médico do Hospital Fukuda, os pais interessados em adotar uma criança do hospital devem contratar um advogado para dar entrada no processo de adoção.
Com a aprovação de uma vara de família, relação jurídica dos pais biológicos com a criança vai ser revogada e a criança será incluída no registro de família dos pais adotivos. Um ponto a favor nas adoções realizadas neste hospital é que não haverá necessidade de mencionar no koseki que a criança foi adotada.
Desta forma, a criança será legalmente considerada e tratada como filho(a) biológico(a), diferente do que aconteceria em um processo de adoção comum, onde os pais biológicos da criança e o processo de adoção são mencionados no registro da família adotiva. Acredito que esse é o primeiro passo para que a adoção de crianças deixe de ser um tabu e passe a ser aceita de forma mais positiva no Japão.
Informações sobre o Hospital Fukuda: Residente Navi
Referências para este artigo: Open Private Life, Japan Daily Press 1 e 2
Fonte: Japão em Foco