“Konbanwa”, fala baixinho João Gilberto ao microfone. Era o tímido boa-noite que o pai da bossa nova dava aos milhares de fãs que pagaram até US$ 100 para ouvi-lo cantar em uma das três apresentações que fazia no Fórum Internacional de Tóquio, no Japão. Depois da gentileza, o mestre continuou cochichando, mas dessa vez em português, enquanto cantavaAcontece que eu sou baiano/Acontece que ela não é , de Dorival Caymmi, para o público apaixonado. E não importava se João Gilberto era baiano e eles não: o amor dos japoneses pelo compositor, que morreu no último sábado, ultrapassava qualquer barreira física, cultural ou geográfica.
Daquela noite histórica surgiu o último disco de João Gilberto, lançado em 2004. De capa branca, In Tokyo fechou não só uma das discografias mais importantes da história da música, mas exemplifica uma conexão estabelecida ao longo de muitas décadas entre a bossa nova e o Japão.
Se o sucesso internacional do gênero começou nos Estados Unidos, principalmente como fruto da parceria entre João Gilberto e Stan Getz, foi no Japão que a bossa nova encontrou sua segunda casa. Por lá, até os dias de hoje, são diversos os lançamentos de discos brasileiros do gênero e até de grupos e cantores japoneses que interpretam e compõem novas músicas do samba que João ajudou a desconstruir. O jornal britânico The Guardian , inclusive, definiu João como um herói cult no Japão em seu obituário. De onde vem tanto amor?
Para a cantora Joyce, que se apresenta anualmente no Japão há bastante tempo, a resposta quem deu foi Tom Jobim: “Ele dizia que bossa nova é sutil e delicada como o Japão, e é exatamente isso”, contou ela, que vê na preservação da cultura tradicional nipônica — “também com uma coisa de delicadeza e de beleza” — uma ponte entre os dois países.
“Konbanwa”, fala baixinho João Gilberto ao microfone. Era o tímido boa-noite que o pai da bossa nova dava aos milhares de fãs que pagaram até US$ 100 para ouvi-lo cantar em uma das três apresentações que fazia no Fórum Internacional de Tóquio, no Japão. Depois da gentileza, o mestre continuou cochichando, mas dessa vez em português, enquanto cantavaAcontece que eu sou baiano/Acontece que ela não é , de Dorival Caymmi, para o público apaixonado. E não importava se João Gilberto era baiano e eles não: o amor dos japoneses pelo compositor, que morreu no último sábado, ultrapassava qualquer barreira física, cultural ou geográfica.
Daquela noite histórica surgiu o último disco de João Gilberto, lançado em 2004. De capa branca, In Tokyo fechou não só uma das discografias mais importantes da história da música, mas exemplifica uma conexão estabelecida ao longo de muitas décadas entre a bossa nova e o Japão.
Se o sucesso internacional do gênero começou nos Estados Unidos, principalmente como fruto da parceria entre João Gilberto e Stan Getz, foi no Japão que a bossa nova encontrou sua segunda casa. Por lá, até os dias de hoje, são diversos os lançamentos de discos brasileiros do gênero e até de grupos e cantores japoneses que interpretam e compõem novas músicas do samba que João ajudou a desconstruir. O jornal britânico The Guardian , inclusive, definiu João como um herói cult no Japão em seu obituário. De onde vem tanto amor?
Para a cantora Joyce, que se apresenta anualmente no Japão há bastante tempo, a resposta quem deu foi Tom Jobim: “Ele dizia que bossa nova é sutil e delicada como o Japão, e é exatamente isso”, contou ela, que vê na preservação da cultura tradicional nipônica — “também com uma coisa de delicadeza e de beleza” — uma ponte entre os dois países.
A cantora, que conheceu João Gilberto nos anos 70 durante passagens pelo México e pelos Estados Unidos — e conta a história em seu livro de memórias Fotografei você na minha Rolleiflex — relembrou o fanatismo dos japonses pelo mestre: “Tenho amigos no Japão que ficavam de olho, na época em que ele ainda fazia shows, e iam atrás dele. Se ele ia no Canadá, compravam o ingresso e a passagem e iam lá ouvi-lo”.
Ela, aliás, se lembrou do compositor como uma figura hipnotizante: “Ele tem uma personalidade muito forte. É envolvente. E quando você vê, está virando ele. O Dori Caymmi dizia ‘o João tá roubando sua alma e colocando a dele no lugar’. E se você deixar, sua vida fica totalmente em função dele”. O efeito era tanto que Joyce até decidiu se afastar do convívio mais próximo do cantor após uma tarde em que passaram tocando juntos em Nova York. Mas ressaltou a importância da passagem do mestre, falando com a reportagem ao telefone antes de um show com João Donato, em Santos:
“Vendo a partida física do João Gilberto, é importante dizer que a bossa nova é o Brasil que deveria ter sido. Acho emblemática a partida do João neste momento em que o Brasil parece tão distante de tudo que pode ser”.
AMOR CORRESPONDIDO
Apesar de avesso às entrevistas e pouco falante publicamente, é sabido que João Gilberto adorava o país que tanto lhe queria. Em conversas ao telefone com a jornalista Sofia Cerqueira, o cantor chegou até a cantar uma música composta em homenagem ao Japão, “país que admirava”.
A conexão pouco provável não rendeu apenas apresentações, discos e vendagens, mas também uma série de histórias. É o caso do que aconteceu com o alemão Marc Fischer. Morando temporariamente em Tóquio, ele foi apresentado à obra de João Gilberto por um amigo local, e nada mais foi o mesmo.
Como narra o cronista argentino Juan Forn, ali se deu o início de uma busca implacável de Fischer para encontrar o mestre brasileiro e entregar-lhe um violão, herança de família. Para o alemão, João era o único que merecia o objeto.
Apesar de tentativas incessantes ao longo de um ano no Rio de Janeiro, Fischer não encontrou João para entregar-lhe o violão ou ouvi-lo tocar “Ho-ba-la-lá”, música que daria nome ao livro que escreveria sobre a odisseia internacional que empreendeu.
A história, inclusive, acabou indo para as telonas no filme Onde está você, João Gilberto , lançado no ano passado. Nele, o documentarista franco-suíço Georges Gachot refaz os passos de Fischer, que tirou a própria vida poucos dias antes da publicação de “Ho-ba-la-lá”.
IN TOKYO
Apesar de tão internacional, tendo inclusive morado muitos anos nos EUA, João Gilberto parecia ter tido uma relação especial com o Japão. Não deixa de ser simbólico que seu “konbanwa” aos 20 mil espectadores japoneses também tenha sido um “arigato” a seu público mundial, seu último registro gravado.
E, quem sabe, sua interpretação com arranjo bastante particular de “Wave”, do amigo Tom Jobim, naquele concerto em Tóquio, tenha sido uma despedida premonitória. Afinal de contas, são esses momentos “as coisas lindas” que João teve para nos dar. Comungou com um público que o admirava à distância, numa idolatria improvável. Cantando baixinho, sentado no banquinho, disse que “é impossível ser feliz sozinho”. E o resto é mar, mesmo os que separam os dois países.