Se a Coreia do Sul faz sucesso com K-pop, “Parasita” e gastronomia, o Japão se prepara para contra-atacar com animes, mangás, chefs e chá verde. Em meio a um aumento da rivalidade com Seul, Tóquio amplia esforços para tornar a produção cultural japonesa em arma para fortalecer a imagem do país no exterior.
E, para isso, espelha-se no modelo do vizinho. “Começamos a partir da constatação que o K-pop fazia mais sucesso que o J-pop”, diz Yukio Yoshihiro, em referência aos nomes pelos quais é conhecida a música pop de Coreia do Sul e Japão, respectivamente.
Yoshihiro é vice-diretor da Cool Japan, iniciativa do governo para incentivar a exportação de produtos típicos e que, no ano passado, teve verba de US$ 400 milhões (R$ 1,7 bi). Uma variedade de itens está sob o guarda-chuva do órgão: vai dos animes (desenhos animados) ao teatro kabuki, passando por culinária, xintoísmo e produção de bonsai.
Ainda que a Cool Japan tenha sido criada em 2011, foi só há dois anos que o governo começou a debater uma mudança de rumo no projeto, o que se consolidou no fim de 2019, com a publicação de documento que estabeleceu o fortalecimento da imagem do país como prioridade.
“Queremos ganhar corações e mentes com soft power”, afirma Yoshihiro, mencionando o conceito que define a capacidade de um Estado influenciar outro sem o uso da força.
Em um escritório cheio de pôsteres de personagens clássicos japoneses –como Goku, da série “Dragon Ball”–, ele e sua equipe trabalham para convencer a indústria cultural japonesa a abraçar a ideia.
O problema, diz ele, é que boa parte do setor não está muito interessado em investir em outros mercados. Para o cientista político Thiago Mattos, especializado em relações internacionais da Ásia, esse é o maior entrave para o Japão.
O que não deixa de ser curioso, afirma ele, é que há duas décadas Seul foi buscar em Tóquio um modelo para seu projeto. No fim dos anos 1990, a Coreia do Sul passava por uma crise econômica e passou a investir na exportação de seus produtos culturais.
A ideia era repetir o sucesso econômico que o Japão teve com animes, mangás (HQs) e videogames, mas em outros setores. Assim, dinheiro do governo coreano passou a incentivar a produção de novelas, discos e filmes, que passaram a ganhar espaço no mundo.
Para Mattos, o projeto sul-coreano engrenou rapidamente porque a indústria cultural do país sempre teve uma forte influência estrangeira, principalmente americana.
Em meados dos anos 2000, Seul percebeu que a tática também poderia trazer benefícios diplomáticos. Por isso, a Hallyu foi consolidada como política de Estado, e os incentivos se intensificaram.
O auge da estratégia aconteceu no domingo (9), quando o sul-coreano “Parasita” ganhou o Oscar de melhor filme.
A disputa entre os países também se reflete no Brasil. Se a geração nascida nos anos 1980 ou no início dos 1990 cresceu assistindo a seriados japoneses, a atual faz fila para ver a banda sul-coreana BTS.
A inauguração, em 2017, do Japan House, em São Paulo, entra nesse contexto. A instituição, mantida pelo governo japonês, tem como objetivo promover a cultura do país no exterior. Em mais um sinal da rivalidade, o prédio fica quase em frente ao Centro Cultural Coreano, bancado por Seul com o mesmo objetivo.
O histórico de conflitos entre Japão e Coreia do Sul está na raiz dos atuais desentendimentos entre eles. Seul reclama do tratamento dado por Tóquio aos coreanos durante a Segunda Guerra, quando o país foi invadido pelo vizinho.
Sobram denúncias de tortura, trabalhos forçados e estupros cometidos pelas tropas japonesas contra a população coreana. Tóquio, porém, afirma que o assunto já foi resolvido com a assinatura de tratados e com indenizações.
Para Yoshiko Kojo, professora de relações internacionais e cultura da Universidade de Tóquio, fortalecer a área cultural é um modo de ganhar apoio para suas posições. “A percepção que as pessoas têm de um país acaba afetando a relação entre os Estados.”