Por volta das 18h30, quando o sol se põe, a maioria dos restaurantes e bares no centro da cidade de Morioka, capital da Prefeitura (Estado) de Iwate, está de portas abertas.
Mesmo quando o governo central do Japão prorrogou o estado de emergência, até o dia 31 de maio, Iwate foi uma das primeiras prefeituras a decidir por um gradual retorno à normalidade. O motivo? É a única entre as 47 Prefeituras do Japão sem casos de coronavírus.
Localizada no nordeste do país, na região de Tohoku, e segunda maior prefeitura do Japão em área, Iwate tem 1,2 milhão de habitantes.
No dia 5 de maio, seu governador, Takuya Tasso, anunciou “um novo estilo de vida”, que combinaria “o funcionamento do comércio com medidas preventivas rigorosas, reforçando o uso de máscaras e o distanciamento social”.
Mas por que não há casos em Iwate? “Não há infectados, pois não há testes”, são as palavras críticas de um usuário do Twitter no dia 6 de maio, quando o Comitê de Prevenção ao Coronavírus de Iwate divulgou um total de três resultados negativos no dia.
Em nome da transparência, o governo local divulga o resultado dos testes para covid-19 realizados na região. Mas o número de testes é baixo. Ao todo, foram divulgados pouco mais de 500 testes — todos negativos — até o fechamento desta reportagem.
Baixa testagem
Isso reflete a política nacional de combate à pandemia: ao contrário de outros países bem-sucedidos no combate ao cornavírus, como Alemanha e Coreia do Sul, o Japão faz pouquíssimos testes.
Em Tóquio, por exemplo, com população de 9,3 milhões e centro da pandemia no país, foram testadas, de fevereiro a 30 de abril, pouco menos de 11 mil pessoas. Desses testes, 4 mil deram positivo.
O porcentual de testes positivos é bastante alto, isso mostra que o país está testando apenas aqueles que já estão com sintomas avançados — as diretrizes encaminhadas a clínicos gerais é de recomendar testes apenas a pacientes com pneumonia.
Muitos especialistas veem essa política como perigosa, principalmente sob a lupa de saúde pública, por causa dos infectados assintomáticos — os que têm a doença mas não manifestam sintomas.
Há acadêmicos que estimam que o número real de infectados no Japão pode ser de 20 a 50 vezes maior que o número oficial, que é de pouco mais de 16 mil.
O país já foi obrigado a adiar a realização dos Jogos Olímpicos deste ano, previstos inicialmente para começar em julho, em Tóquio. A nova data marcada para a abertura foi 23 de julho de 2021.
Por isso, o “sucesso” de Iwate deixa essas perguntas pairando no ar: será que dá para concluir que a Prefeitura está mesmo livre do cornavírus? Até que ponto a baixa realização de testes reflete a realidade da doença?
As autoridades locais dizem que a justificativa para a baixa realização de testes está no número baixo de consultas nos centros de saúde.
“Foram poucos testes porque há poucas pessoas com sintomas. Pretendemos aumentar a testagem de acordo com a necessidade”, afirma Yoetsu Yoshida, diretor do Setor de Prevenção ao Coronavírus do Departamento de Saúde e Bem-estar da Prefeitura de Iwate.
A população também ajudou, seguindo as recomendações das autoridades.
“Não há infectados por causa das medidas preventivas que temos efetivado com esforços completos. Como o uso constante de máscaras na população e o hábito de lavar as mãos com frequência”, explica Yoshida.
Vida quase normal
Quando veio a público decretar a saída do estado de emergência no dia 5 de maio, o governador, Takuya Tasso, deixou claro que a estratégia é isolar Iwate de suas vizinhas e pediu que a população evitasse transitar entre as Prefeituras.
As lojas de departamento de Morioka, capital da prefeitura, voltaram a funcionar no dia 7 de maio, depois de 13 dias de suspensão. Muitas lojas passaram a operar com horários reduzidos, com poucos clientes.
Os cinemas, que estavam fechados desde o dia 24 de abril, se preparavam para reabrir as portas com medidas preventivas especiais. Papeis colados entre um assento e outro devem garantir o distanciamento entre os clientes e as saídas de emergência ficarão abertas fora do horário de exibição dos filmes, para promover a circulação de ar.
O chefe do departamento de vendas da empresa Nanbu Bijin, que produz o famoso saquê da região de Iwate (de mesmo nome), Masaki Hirano, disse à BBC News Brasil que medidas preventivas foram tomadas na empresa, localizada na cidade de Ninohe, ao norte.
O horário de atendimento foi reduzido, reuniões presenciais canceladas e alguns funcionários passaram a fazer home office.
Mesmo assim, Hirano achou precoce a atitude do governo de reabrir a economia logo depois da Golden Week (junção de feriados que chegam a durar uma semana entre o fim de abril e início de maio no Japão e que acabou no último dia 6).
“Fico preocupado. Entendo o relaxamento por não haver casos confirmados, mas acho que não deveríamos baixar a guarda por mais duas semanas”, diz.
A loja especializada em saquê, no mesmo terreno da empresa, ficará fechada até o dia 31 de maio, embora o governo local tenha permitido que o comércio volte a funcionar.
População disciplinada
A imprensa japonesa também citou a baixa densidade populacional da Prefeitura, que possui três vulcões em seu território, é contornada em parte pela costa do Oceano Pacífico e desfruta de amplas áreas rurais.
No entanto, para Tatsuya Kamihama, professor especializado em saúde pública da Universidade de Iwate, é preciso ter cautela ao relacionar a dinâmica populacional com a falta de casos da doença.
“A baixa densidade populacional pode estar entre as causas, mas não sabemos o quanto isto influencia na prevenção do vírus. Há regiões com densidades ainda mais baixas do que Iwate e com muitos casos de contaminação”, explica.
Segundo Kamihama, a postura preventiva e a disciplina da população podem ter sido determinantes. “Iwate agiu rapidamente na prevenção, antes mesmo de outras Prefeituras. Acho que isso está relacionado com o fato de que não há infectados”, sugere.
A própria população partiu para ações preventivas mesmo quando o vírus ainda era uma ameaça distante. “Em dezembro do ano passado, havia pilhas de máscaras nas lojas por causa da época de influenza. Logo depois, quando começaram os rumores do coronavírus, o produto sumiu das prateleiras”, contou Yumi Yamagata (nome fictício), dona de casa de 42 anos, que vive em Oshu, cidade montanhosa no sul de Iwate, com cerca de 115 mil habitantes.
Mãe de um aluno de escola primária, Yumi disse que as medidas preventivas foram tão efetivas na escola que não há crianças faltando aula nem por gripe. “Acredito que a falta de infectados está na consciência de cada um. Tenho visto que quase todo mundo anda de máscara, há álcool gel na maioria das lojas e muitos restaurantes passaram a oferecer entrega a domicílio.”
Em Ninohe, Masaki Hirano concorda que os cidadãos de Iwate são disciplinados. “As pessoas aqui são sérias e muito pacientes. Muitos não estão saindo além do necessário e estão evitando o horário de pico se precisar ir para um local movimentado”, diz, sobre os motivos de não haver infectados.
“Mesmo assim, o risco continua existindo por toda a parte. Precisamos continuar levando a vida com cuidado máximo”, completa.
Outras regiões
Na última semana, o Japão vinha registrando uma queda no número de novos casos de coronavírus por dia, com menos de 100 registros em 24 horas. Mesmo Tóquio, que é o epicentro da doença no país, tem registrado menos de 40 novos casos por dia. Na segunda metade de abril, a capital japonesa chegou ao pico de 200 casos diários.
Na quinta-feira (14), o governo do Japão deve revogar o estado de emergência em 34 Prefeituras que não estão em “estado de vigilância especial”. Entre as 13 Prefeituras com este status, pelos menos quatro devem entrar na lista do governo, por registrarem pouco ou nenhum caso na última semana.
Além de Iwate, outras seis Prefeituras, como as vizinhas Aomori, Akita e Miyagi, já retiraram a ordem de fechamento ao comércio, sem deixar de manter medidas preventivas.
Em reunião por videoconferência com os governadores, realizada nesta quarta-feira (13), o ministro da Economia, Yasutoshi Nishimura, reforçou a necessidade de manter as medidas preventivas mesmo após a revogação do estado de emergência. “Se relaxarmos, o número de casos pode voltar a subir”, alertou.
Mesmo após a liberação, o trânsito entre Prefeituras com maior número de novos casos, como Tóquio ou Hokkaido (extremo norte do Japão), deverá ser evitado.
O governo também alertou que eventos de grande porte não podem ser realizados e academias de ginástica devem permanecer fechadas. Na terça-feira (12), o Japão registrou 81 novos casos e mais 21 óbitos, elevando o total de infectados para 16.049 e o de mortes para 678.