O tema da vez é a Sanyo, presente em vários mercados e até em camisa de time de futebol.
Tudo começa com um empréstimo
A Sanyo começa a nascer em 1947 e a história dela é totalmente conectada com a da Panasonic, que já foi contada aqui no canal. Anos antes, a marca que se chamava Matsushita Electric perdeu vários prédios e fábricas por causa de bombadeios ou confisco do governo, durante uma guerra entre China e Japão e logo depois a Segunda Guerra Mundial.
Acontece que uma dessas plantas estava sem utilidade. Aí o empresário Toshio Iue, que era cunhado do fundador do que seria a Panasonic, Konosuke Matsushita, pede o lugar emprestado pra começar o próprio negócio. Nascia aí a fabricante Sanyo, com sede em Moriguchi, uma localidade perto da cidade japonesa de Osaka.
Os primeiros produtos da Sanyo são lâmpadas e buzinas de bicicleta, reaproveitando o que a Panasonic já fabricava e até usando a marca National. Em 1950, o nome é oficializado, o empréstimo original é quitado e a marca começa a decolar. A logo que a gente conheceu, em vermelho e com o N estilizado, veio só nos anos 80.
Em carreira solo
No começo da década de 50, a empresa tem um desempenho modesto com eletrônicos. O primeiro rádio de plástico do Japão é dela e saiu em 1952, e em 53 ela lançou a SW-53, primeira máquina de lavar do país com modo pulsar, além de televisores e toca-fitas. Em 54, ela vira empresa de capital aberto e fecha 59 com um modelo popular de rádio, o 8S-P3.
Em 61, ela abre a primeira filial internacional com um escritório ainda perto, em Hong Kong. No ano seguinte, entra num mercado meio tímido, mas onde ela se dá tão bem que vai acompanhar a marca pelo resto da história: baterias.
É o nascimento da pilha Cadnica, uma bateria de níquel cádmio que hoje já é ultrapassada, mas na época foi revolucionária por vários motivos, incluindo o baixo custo. O sucesso foi tanto que em 64 a Panasonic começa a produzir a Cadnica, invertendo a lógica de que a Sanyo era uma irmã menor.
Em 1967, o fundador Toshio deixa o cargo de chefe de operações para o irmão Yuro assumir. Em 70, outro irmão, o Kaoru, é quem pega o cargo. Aí sim a expansão internacional vai a todo vapor.
Em busca dos três oceanos
A Sanyo já era um sucesso nos Estados Unidos por causa de importação, mas reforça isso a partir de 73, quando faz uma parceria com a Emerson Electric. A japonesa compra a submarca Fisher Electronics em 75 e a Warwick Electronics em 76 pra lançar produtos seus no país, incluindo rádios automotivos e eletroeletrônicos.
Ela só comete um erro grave no fim dos anos 70: adota o Betamax, se arrepende e passa a comercializar aparelhos de VHS.
A mesma coisa aconteceria décadas depois, quando ela começa fabricando leitores do HD DVD, da Toshiba, em vez do formato que ganhou a batalha, que foi o Blu-ray. O acerto mesmo foi embarcar no formato Video 8 de 8 milímetros pra filmadoras, aí sim um sucesso comercial.
Os anos 80 são de afirmação pra marca, que vira uma das maiores fabricantes de origem japonesa a operar fora do Japão, com ramificações em vários países. Ela entrou timidamente no mercado de computadores com a linha MBC e também lançou modelos de MSX sob a família Wavy, considerada de qualidade e hoje bastante rara de encontrar.
Outros mercados
A passagem da Sanyo no mundo dos games inclui também o console 32 bits 3DO, fabricado por ela, pela Panasonic e também a LG. Lançado em 1993 e idealizado pelo CEO da EA, Trip Hawkings, ele caiu no esquecimento graças ao preço alto e a biblioteca não tão vasta de jogos.
Mas os anos 90 são mais importantes pra Sanyo pelas baterias de níquel-hidreto metálico. Esse nome complicado é um composto de maior densidade, preocupação ecológica e capacidade de armazenar energia do que os modelos anteriores, mas que descarregava mais rapidamente.
Ele foi muito usado em telefones celulares, câmeras digitais e notebooks, e a Sanyo era um dos nomes mais fortes no setor. Pra entender a dimensão, ela chegou a comprar a divisão de níquel-hidreto metálico da gigante Toshiba em 2000.
Voltando pra 94, ela já lançava baterias recarregáveis de íon-lítio, hoje super populares, e em 95 arriscou até a entrada no mercado de câmeras fotográficas digitais. Nesse caso, modelos como a CA65 e a HD1000 se destacam, além do GPS interativo Mini Gorilla. Já em 99, o lançamento da vez foi o da bateria de polímero de lítio, pequena e muito usada em celulares.
Tentando sobreviver
Cada vez mais fraca em hardware próprio, ela foi tendo sucesso fabricando componentes e vivendo de parcerias: em 99, abre uma companhia conjunta chamada SK Display pra fazer telas OLED com a Kodak. Em 2004, volta os olhos pro LCD em parceria com a Epson. E quase fecha com a Nokia em 2006 pra virar uma gigante dos celulares, mas o negócio não vai pra frente.
Aí acontece uma coisa bem diferente em 2002: a Sanyo inaugura o Solar Ark, um monumento que é ao mesmo tempo museu, laboratório, gerador de energia e homenagem à energia solar.
Em 2005, vem outra revolução nesse mercado. É o lançamento da Eneloop, uma marca de pilhas e baterias recarregáveis que não viciam depois de várias recargas. Ela rivalizou pesado com as alcalinas e virou um nome forte no setor.
Ah, e a Sanyo foi uma das pioneiras em celulares com câmera no ocidente. O SCP-5300 nasceu em 2002 com visual de concha e uma lente de 0,3 megapixels. Ele tinha configurações básicas de edição de foto, mas ainda era uma tecnologia inicial. Ela nunca foi uma gigante mobile, mas entre os lançamentos se destacam os modelos Katana, o a prova d’água W53SA, o de design bizarro e com teclado embutido Innuendo e o belo S1.
Mas aí o resto é só má notícia. Em 2004, o terremoto de Chuetsu causa danos em várias cidades e atinge também fábricas da Sanyo. Em 2006, ela ficou no vermelho pelo segundo ano seguido, e dois anos depois vende o setor de celulares pra Kyocera. Basicamente, os ativos valiosos da marca ainda eram os de baterias recarregáveis e painéis solares.
De volta para o início
Em 2008, a crise era insustentável e não tinha outro jeito de se salvar a não ser fechar o ciclo com uma velha parceira. A Panasonic, que cedeu a primeira fábrica pra Sanyo na década de 1940, começa negociações em dezembro daquele ano e em 2009 fecha a aquisição de 50,2% das ações por cerca de 4,5 bilhões de dólares. No ano seguinte, ela compra a porcentagem restante, absorvendo completamente a companhia e virando um dos maiores conglomerados de tecnologia do Japão, tendo a Sanyo como subsidiária.
Aos poucos, a marca foi reduzindo a presença no mercado e saindo dos países. A divisão de semicondutores foi repassada pra ON Semiconductor em 2010 e no ano seguinte a logo da Sanyo é retirada de um dos locais de publicidade mais famosos do mundo, o Piccadilly Circus, em Londres, onde estava desde 1978.
Em 2012, a Panasonic vendeu vários outros setores da empresa e em 2013 realizou uma demissão em massa que atingiu especialmente a Sanyo. Ela continuou lançando televisores de LED, players de blu-ray e soundbars nos Estados Unidos e na Índia sob licenciamentos pra outras fabricantes, longe daqueles tempos de glória. Até 2016, videocassetes da Funai Electronics sob a marca Sanyo ainda eram vendidos por lá.
No mercado brasileiro
A Sanyo foi a primeira empresa japonesa da Zona Franca de Manaus, chegando ao polo industrial em 1973 pra fabricar eletroeletrônicos, gerando empregos e trazendo tecnologias direto do Japão. As TVs eram especialmente elogiados nos anos 80 e 90, e várias propagandas em revistas e na televisão foram lançadas nesse período.
Ela também lançou fornos micro-ondas, telefones fixos, aparelhos de som de linhas como a GXT ou ATR, que era 3 em 1 e rodava fita, disco e tocava rádio. Além disso, ela tinha projetores, ar-condicionado e videocassete. Em 94, a empresa lança uma marca paralela chamada Kirey, só com produtos de baixo custo pra concorrer diretamente contra a CCE, que já teve a história contada por aqui. Ela durou até meados dos anos 2000.
A Sanyo chegou a render 1 bilhão de reais em 1996, mas o empresário paranaense Sérgio Prosdócimo revendeu as ações dele pra o grupo de investidores japoneses da Sanyo em 98.
A produção de baterias para celulares foi um pouco mais longe, até 2009, e a marca deixou de existir no país em abril 2012, mantendo só as atividades da Panasonic.
Entrando em campo
Além de tecnologia, a Sanyo também é bastante ligada ao esporte. Ela foi dona de um time de rugby no Japão, o Wild Knights, que virou Panasonic Wild Knights depois da compra definitiva da companhia, em 2012. No futebol, ela ficou marcada pelos patrocínios.
Na Argentina, estampou a logo nas camisas do River Plate, e no Brasil do Coritiba durante boa parte dos anos 90.