Se existe uma pessoa que entende de arrumação, é a japonesa Marie Kondo.
A especialista em organização doméstica ficou conhecida mundialmente por causa de seu primeiro livro, A Mágica da Arrumação, um hit global. A “guru da arrumação”, como ela é conhecida, volta às manchetes graça a uma nova série da Netflix, Ordem na Casa com Marie Kondo.
Na série, Kondo visita a casa de vários americanos e os ajuda na arrumação, usando seu Método KonMari, que envolve categorizar e encontrar o lugar certo para cada item, desfazendo-se das coisas que não trazem alegria.
Por que os americanos estão apaixonados por ela?
“Os Estados Unidos viram um crescimento do consumo em massa e da urbanização, o que leva a uma mentalidade de ‘mais é melhor’”, diz Kondo, via email. “Mas acredito que esteja acontecendo uma mudança. Estamos prestando mais atenção a cada uma das coisas que temos e escolhendo as que realmente importam. Acho que o interesse das pessoas no Método KonMari coincide com essas mudanças culturais na sociedade americana.”
Ainda não chegamos lá, entretanto. Como diz Jericho Apo, estrategista digital do The Story of Stuff, uma comunidade de pessoas que trabalha para mudar nossa cultura “louca por consumo”, ainda vivemos numa economia movida pelo consumo e fortemente influenciada pelo materialismo. Associados nosso valor e nossos valores às coisas, diz Apo.
Basicamente, acumulamos coisas demais, e muitas delas são supérfluas. Para Apo, isso acontece porque acreditamos que nossas posses definem “quem somos e o que é sucesso”.
Os americanos gastam muito dinheiro com coisas. Segundo uma reportagem de 2017 do Boston Globe, os homens gastaram mais de 26 bilhões de dólares em calçados em 2016. No caso das mulheres, o número chegou perto de 30 bilhões. O site The Balance aponta que as vendas do varejo americano chegaram a 5,7 trilhões de dólares em 2017, um recorde histórico. Não deixa de ser irônico quando se suspeita que o sucesso de Marie Kondo esteja aumentando as vendas da The Container Store, uma rede de lojas americana especializada em itens para organização doméstica.
Comprar e acumular coisas não é coisa só de americanos. Em suas viagens pelo mundo, Kondo diz ter notado que “todos têm as mesmas dificuldades para arrumar a casa”.
As dicas de Kondo são inspiradas em filosofias japonesas
O método de Kondo não é necessariamente revolucionário – certificar-se de que todos os itens de uma gaveta estejam visíveis, por exemplo ―, mas ele parece ter causado grande impacto junto aos americanos.
Boa parte do sistema desenvolvido por Marie Kondo é inspirada em filosofias japonesas. A do wabi-sabi, por exemplo, é descrita por ela como “beleza na simplicidade e na calma”, uma “virtude na sociedade japonesa”. O wabi-sabi vem do budismo e muitas vezes é descrito como “a arte de encontrar beleza no imperfeito, impermanente e incompleto”, como nota o House of Beautiful.
“Isso não significa que menos é mais, mas captura o sentimento de escolher somente as coisas que despertam alegria em você”, diz Kondo. A ideia de “despertar alegria” é parte central do método KonMari, e Alegria! é o título de um de seus livros.
Kondo diz que se alguma das suas coisas – seja uma blusa, um par de sapatos ou uma camiseta – desperta alegria, você guarda. Se não for o caso, agradeça a peça por ter cumprido sua missão e desfaça-se dela.
John Lie, professor de sociologia no Centro de Estudos Japoneses da Universidade da Califórnia em Berkeley, explica: “Existem também uma influência zen na cultura japonesa, que valoriza o minimalismo.”
A Asia Society explica que zen, que significa meditação, dá ênfase ao uso de práticas de meditação para alcançar a “autorrealização e, portanto, a iluminação”.
A influência do zen na prática de Kondo fica evidente no primeiro episódio da série. Em uma cena, ela cumprimenta a família, numa espécie de processo meditativo de agradecimento e apreciação da casa por proteger seus moradores.
Kondo admite que suas observações sobre os hábitos de organização dos japoneses são limitadas aos que ela encontrou em seu trabalho. Mas ela diz que a “engenhosidade necessária por causa dos pequenos espaços no Japão e o amor pela organização são características nacionais”.
As casas costumam ser muito pequenas no Japão, o que faz da organização um imperativo
“As casas no Japão são minúsculas!”, diz Kondo. “Cresci numa casa com cinco pessoas. A gente desdobrava futons e dormia um do lado do outro, num espaço de cerca de 13 m x 13 m. Não há muito espaço para guardar coisas, então tudo tem de ser pequeno.”
Os japoneses têm o desafio de transformar espaços pequenos em lugares confortáveis, diz ela. “Somos obcecados pelos detalhes”, diz ela. Kondo também afirma que as revistas de estilo de vida – responsáveis por seu interesse por arrumação – quase sempre têm dicas de soluções criativas para guardar as coisas.
Os americanos “tendem a ter muito mais espaço”, diz Lie. É claro que nem sempre é o caso, mas considere o tamanho dos dois países: o Estados Unidos é cerca de 26 vezes maior que o Japão.
“A estética protestante do minimalismo e do ascetismo se perderam”, diz Lie. “Não é surpreendente que Kondo seja popular em Manhattan, San Francisco e outras cidades com casas de tamanhos limitados.”
Em suas experiências pelo mundo, afirma Kondo, ela “não encontrou um país em que as pessoas sejam tão organizadas ou prestem tanta atenção nos detalhes como no Japão.”