Hoje não existe um modelo pronto para transformar o hábito de uma cidade e fazer com que a bicicleta seja priorizada entre os outros meios de transporte. No entanto, Joinville pode buscar inspiração em outras cidades que são modelos no uso da bike e que têm características diferentes. É o caso de Amsterdã, na Holanda, e Tóquio, no Japão. As duas buscaram no transporte de duas rodas uma solução para reduzir os problemas de congestionamentos.
A capital holandesa é uma das cidades mais conhecidas do mundo por ter uma mobilidade voltada para os ciclistas. Porém, essa cultura não nasceu com a cidade. Ela precisou ser construída com planejamento ao longo dos anos. Segundo a especialista em infraestrutura de mobilidade urbana e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Joinville, Renata Cavion, o modelo foi construído a partir da década de 1970.
Mudança após protestos da população
Antes disso, a cidade seguia o desenvolvimento muito parecido com o que acontece na maioria dos municípios, onde há a priorização para os carros. A realidade mostrava estatísticas preocupantes em relação aos acidentes envolvendo automóveis, chegando a 400 crianças mortas no trânsito em 1971. Isso motivou protestos em um grande movimento conhecido como “Stop de Kindermoord” (“Parem com o assassinato de crianças”, em português).
– Isso gerou um trauma tão grande que todo o sistema de transporte foi repensado. Desde então, Amsterdã vem se organizando tanto em comportamento, quanto em políticas urbanas para que o enfoque fosse em cima dos pedestres e ciclistas. Isso fez toda a diferença para a cidade – explica Renata.
A cidade holandesa tem mais de 700 quilômetros de vias para bicicletas. O número é superior a Joinville, que hoje tem 175 quilômetros, mas nem sempre essa infraestrutura é o único fator que importa para garantir um modelo que funcione.
Tóquio tem apenas dez quilômetros de vias para bicicletas
Em Tóquio, são apenas dez quilômetros de faixas e vias exclusivas para as bikes. A capital japonesa atualmente tem pouco mais de 9 milhões de habitantes e são mais de 8 milhões de bicicletas.
Segundo a especialista, a infraestrutura não é um fator fundamental para as bicicletas em Tóquio porque há outros dois componentes que são importantes para que o sistema funcione: o comportamento japonês e as políticas urbanas. O primeiro fator envolve a maneira da população nipônica se relacionar, que é a base da tolerância.
– Ter apenas dez quilômetros de vias e faixas para ciclistas significa que eles vão ter que compartilhar com veículos e pedestres. É claro que existem acidentes no Japão, mas o convívio entre esses meios de transporte costuma acontecer de maneira bem harmoniosa – destaca.
Outro fator importante é a política urbana da cidade. Ela prevê um custo mais alto para o uso de transporte individual, como táxis, e do estacionamento para veículos no centro urbano. Além disso, os bairros também são pensados de forma compacta, possibilitando que a população encontre o que é preciso dentro do próprio bairro, sem precisar percorrer grandes distâncias.
Por onde Joinville pode começar a mudança
A especialista Renata Cavion defende que o primeiro passo para Joinville começar essa transformação em busca de priorizar a bicicleta como meio de transporte é entender a dinâmica da cidade. Perceber como é o comportamento do joinvilense no trânsito, como ele opta por um transporte ou outro e ainda compreender as distâncias que ele percorre é essencial para pensar em um modelo que funcione para a realidade do município.
– Essa aproximação é fundamental para começar as discussões. A gente tem que deixar a população ciente de que as suas escolhas fazem a diferença. Se queremos mudar um hábito e o desenvolvimento urbano, precisamos trabalhar como comunidade, como essa força conjunta – explica.
Um segundo passo seria a criação de políticas públicas que atendam as necessidades encontradas nesse diagnóstico da cidade. Porém, ela afirma que todo esse entendimento precisa ser uma ação conjunta entre o gestor público, as universidades, as escolas e associações das comunidades locais, por exemplo.
Educação e políticas públicas como aliadas
Para Renata, essas mudanças precisam estar aliadas a outros fatores para uma transformação de verdade na mobilidade de Joinville. Um deles é a importância da educação nessa quebra de paradigma. É apenas por meio do conhecimento teremos um processo de sensibilização da população para termos um comportamento mais adequado no trânsito.
Outro ponto importante são as políticas públicas. Renata destaca que a cidade precisa ser mais compacta, com mais pessoas juntas, compartilhando das estruturas e aproveitando melhor o espaço. Isso facilita a eficiência dos investimentos realizados pelo poder público. Por fim, a infraestrutura também precisa receber investimentos para que os joinvilenses possam ter um sistema em que a bicicleta possa ser priorizada.
– A gente pode ter um caso como Tóquio, em que a infraestrutura não é tão relevante, mas em situações como temos aqui, ainda sem um comportamento e uma educação favorável, a infraestrutura é fundamental. Temos que garantir a segurança de quem tem essa iniciativa de optar por um transporte mais saudável, econômico e que só vai trazer benefícios para a cidade – defende.