O medo do coronavírus levou os japoneses a uma corrida por papel higiênico. Em dois dias, o produto sumiu das prateleiras após notícias falsas circularem nas redes sociais e devido a um trauma de quase meio século atrás.
Em 1973, a crise do petróleo afetou a produção de papel e fez muita gente estocar papel higiênico. Isso se repetiu em 2011, quando o Japão foi atingido pelo tsunami. Agora, há uma reedição do problema com o surto do novo coronavírus. “É a psicologia coletiva. Os japoneses se sentem pressionados a fazer alguma coisa para lidar com o medo e estocam produtos, talvez pelo trauma do passado”, diz Daisuke Onuki, professor de Relações Internacionais na Universidade Tokai, em Kanagawa.
Por que papel higiênico? Boatos que circularam nas redes sociais diziam que a matéria-prima é da China, país duramente castigado pelo novo coronavírus. Porém, a Associação de Fabricantes de Papel Doméstico do Japão desmentiu o rumor e informou que a produção nacional é suficiente para abastecer o mercado interno.
“Só que quando vi a fila, fiquei com medo de ficar sem, por isso comprei”, disse uma senhora japonesa, levando o último pacote de papel higiênico e de lenço de papel de um supermercado.
O medo também provocou uma demanda maior por água mineral e macarrão instantâneo, e fez muita gente cumprir a peregrinação diária atrás de máscara cirúrgica e álcool em gel. Sem exageros, é possível ainda creditar ao coronavírus novos hábitos como lavar as mãos do pulso até a ponta de cada dedo, não tocar em corrimões, e manter uma distância maior da pessoa a quem vai cumprimentar.
Muitos brasileiros que residem no Japão também têm evitado o contato físico, com medo do coronavírus. Suspenderam os dois beijinhos e aderiram às máscaras. Na falta do produto, produzem em casa o modelo em tecido e gaze, usando molde adquirido em armarinhos japoneses.
Álcool em gel também não falta. Mônica Oshiro sempre carrega um na bolsa, e deixa outros frascos no carro e pela casa. “Tento manter a calma, mas à nossa volta as pessoas estão em pânico”, diz. Depois de 20 anos no Japão e acompanhando uma série de desastres naturais e crises, chegou à conclusão de que “o japonês é apavorado, mesmo sabendo que tudo passa.”
Foi esse desespero que recentemente fez um passageiro apertar o botão de emergência do trem ao ver uma pessoa sem máscara tossindo no mesmo vagão, em Fukuoka (cidade no sul do Japão). O comboio precisou parar na estação seguinte, gerando atrasos.
Com a rápida disseminação do coronavírus pelo Japão, linhas de trem e metrô passaram a anunciar as principais medidas de prevenção pelo alto-falante e a intervalos curtos. A fim de evitar a hora do rush e reduzir os riscos de contaminação em trens lotados, algumas empresas flexibilizaram o início e o término dos turnos. Outras preferiram deixar seus funcionários trabalhando em casa, como fizeram a maior agência de publicidade do Japão, a Dentsu, e a fabricante de cosméticos Shiseido.
Ainda como estímulo para a população não circular, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, pediu o cancelamento de todos os eventos esportivos e culturais previstos para as próximas semanas, período considerado crucial no controle da epidemia. No pacote, entraram parques temáticos como a Universal Studios, a Tokyo Disneyland e a Tokyo Sea, que ficarão fechados até o dia 15.
Hokkaido, província no norte do país e com o maior número de casos do novo coronavírus no Japão (66 do total de 935 infectados até o dia 28), foi mais direta. Decretou estado de emergência e pediu aos moradores para ficarem reclusos neste fim de semana. De máscara, o governador Naomichi Suzuki anunciou a medida durante reunião televisionada, dois dias depois de ter pedido a suspensão das aulas em todas as 1.600 escolas públicas e privadas da província por uma semana.
O premiê Abe propôs fechar as escolas públicas do ensino fundamental e médio de todo o Japão a partir da segunda-feira (2/3) até as férias da primavera (que, no Hemisfério Norte, se inicia no fim de março). A decisão deixou instituições de ensino confusas, muitos pais perdidos e alguns alunos sem cerimônia de formatura.
Embora reconheçam a urgência das medidas para evitar a propagação do coronavírus, muitos educadores têm criticado o governo por não notificar previamente sobre a decisão e não pensar seriamente na situação de quem trabalha e não tem onde deixar os filhos.
A brasileira Mônica Oshiro é uma das milhões de pessoas que acham que serão financeiramente prejudicadas pela medida. Ela começou a trabalhar como camareira em um hotel há três meses e vem sentindo o número de hóspedes diminuir devido ao coronavírus.
Com a paralisação da creche onde fica a caçula Alana, de 3 anos, e da escola fundamental do filho Nicolas, 7, acredita que sua situação na empresa ficará mais complicada, pois terá de ficar em casa cuidando das crianças.
“Apesar dos transtornos, a maioria entende que assim será mais seguro para seus filhos”, afirma Renata Nagashima. Pedagoga, ela trabalha na escola japonesa Ushioda, em Yokohama (província de Kanagawa), fazendo a ponte entre professores e pais de alunos brasileiros, que representam mais de 20% dos matriculados.
As escolas brasileiras espalhadas pelo Japão podem decidir por conta própria. “Consultamos o comitê educacional e decidimos continuar com as aulas para não prejudicar os pais, que em sua maioria trabalham como temporários, e também por não termos casos suspeitos na região”, diz Mayumi Uemura, diretora de uma instituição que atende da creche ao ensino médio, na província de Ibaraki. Como proteção, ela espalhou álcool em gel pela escola e sempre pede aos alunos que usem máscaras.
Medir a temperatura com frequência virou hábito, principalmente para quem tem filhos pequenos. Qualquer anormalidade é motivo de aflição. A pedagoga Renata conta que em uma semana fez três visitas ao hospital para levar o filho de 8 anos, que estava febril. “Na primeira vez, o médico disse que era gripe. Mas, um dia depois, a febre voltou aos 39º e meu coração ficou apertado, por causa dessa onda de coronavírus — era influenza B.”
Parada estratégica
Mantendo o maior número de pessoas longe da exposição ao novo coronavírus, o governo terá um pouco mais de fôlego para preparar equipes médicas e hospitais. Das 47 províncias japonesas, 24 não teriam hoje o número de leitos pedido pelo governo central para atender casos de infecção pelo vírus. O número de testes realizados no país chega à média de 900 por dia, longe ainda da meta de 3.800 proposto pelo premiê Abe.
Há também divergências sobre quando fazer os testes. Alguns médicos não concordam com a abordagem do governo, de testar depois que as pessoas têm pneumonia. Eles defendem a realização do teste o mais rápido possível, para aliviar a ansiedade das pessoas. Porém, o conselho do Ministério da Saúde é que as pessoas permaneçam em casa e descansem, em vez de correr para um hospital quando estão com sintomas leves.
“Estamos sendo bombardeados com tantas notícias sobre coronavírus, que está deixando as pessoas deprimidas. Precisamos tomar cuidado para não deixar esse pânico virar xenofobia, ou asiafobia”, diz o professor Onuki. Para ele, o que ocorre agora pode ser tomado como um ensaio para epidemias maiores, pois o novo coronavírus não é tão fatal, embora suficientemente perigoso para causar ansiedade em todos.