Os incêndios que fazem a Amazônia queimar há semanas chamaram atenção de todo o mundo e provocaram impactos imediatos assustadores, como deixar São Paulo, que fica a quase 3 mil quilômetros de distância, às escuras no meio da tarde. Entre as reações imediatas provocadas pelas previsões do impacto climático e ambiental nas queimadas estão as críticas, cada vez mais intensas ao governo brasileiro e à política de facilitação de exploração da área, e a hashtag #PrayforAmazonia, que se espalhou pelas redes sociais.
Os incêndios que atingiram a Amazônia neste ano não foram os primeiros — longe disso, eles vêm ocorrendo com frequência, mas os deste ano se espalharam a ponto de quebrar recordes. Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil), em meados de setembro já eram 100 mil incêndios florestais a atingir o país em 2019, o que representa um aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano passado.
O aumento significativo traz consequências para todo o planeta, uma vez que a floresta amazônica concentra de 10% a 20% do carbono de todos os ecossistemas da Terra. Com as queimadas e a consequente expansão para a atmosfera desse CO2, o aquecimento global pode acelerar perigosamente, apontam cientistas.
Mais grave do que se imagina
Há muitas tentativas de explicação e projeção do impacto que as chamas na Amazônia podem ter no mundo. Para o professor assistente do departamento de estudos ambientais da Universidade de Nova York Matthew Hayek, alguns relatos que sugerem que os incêndios são costumeiros e que acontecem apenas em terras agrícolas, além daqueles que minimizam as preocupações com o desmatamento desenfreado ignorando os incêndios no interior da floresta subestimam perigosamente a gravidade do desmatamento deste ano.
“Muitos dos incêndios na região são de fato intencionalmente provocados em terras agrícolas. Os fogos podem limpar o mato emaranhado, transformar restos de milho da última temporada em cinzas e até eliminar pneus velhos e carcaças de vaca. Mas outros incêndios, também intencionalmente provocados, estão queimando florestas intactas. Esse tipo de desmatamento ocorre para abrir espaço para a alimentação animal necessária para a produção de carne”, salienta.
Professor ressalta a importância de ouvir povos indígenas
Para o especialista, alguns dos erros de interpretação que levam a esse tipo de pensamento unilateral de que os incêndios atingem apenas áreas agrícolas se devem justamente aos erros de leitura das imagens de satélite que, apesar de serem benéficas, não são capazes de distinguir corretamente as áreas. Ele explica que o desmatamento da Amazônia ocorre, historicamente, ao longo de suas margens, mas está fazendo com que ela “encolha” ao longo do tempo. “O desafio consiste em distinguir as pequenas frações de floresta intacta na borda da Amazônia e as terras agrícolas vizinhas – distinções difíceis de fazer a centenas de quilômetros acima da Terra”, diz.
O professor destaca a importância de ouvir e assimilar as perspectivas de quem de fato acompanhou todo esse processo. Ele ressalta que “o público deve ouvir as perspectivas dos povos indígenas e de outros repórteres locais – aqueles que podem transmitir informações que os satélites perdem”. Para Hayek, eles podem fornecer informações valiosas aos cientistas, motivando uma investigação mais criteriosa e aprofundada. “É assim que a ciência costuma funcionar melhor, por meio da colaboração entre diferentes formas de conhecimento”, salienta.
O professor diz ainda que é fundamental manter o foco em ações que obtiveram sucesso e aumentar a pressão para a proteção da floresta.